Necessária identificação do dolo para aplicação da decadência no direito tributário

Deonísio Koch

Um tema que sempre tem atraído controvérsia no direito tributário é a decadência de constituir o crédito tributário via lançamento de ofício. E a legislação complementar vocacionada para dispor sobre as normas gerais, nos termos do artigo 146, III, “b”, da Constituição [1], veiculada pelo Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/66, tem contribuído para esta diversidade interpretativa.

O legislador complementar estabeleceu diversas formas de decadência, de acordo com os critérios de aplicação para cada caso. Não pretendemos, neste artigo, fazer um estudo geral e aprofundado sobre o instituto da decadência em Direito Tributário, mas enfocar, de forma específica, a questão da identificação do dolo, fraude e simulação para efeitos de aplicação da norma decadencial.

Em nossa análise serão abordados duas forma de decadência em direito tributário em seus respectivos dispositivos legais: a regra do artigo 173, I, do CTN, com o termo inicial a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, e a do artigo 150, § 4º, no lançamento por homologação, com seu termo inaugural na data da ocorrência do fato gerador, quando houver pagamento, ainda que parcial, do crédito tributário, e ausência de dolo fraude ou simulação.

Esta regra é mais benéfica ao contribuinte, visto que antecipa o início da fluência do prazo. Em ambos os casos o prazo é de cinco anos.

Lançamento por homologação
Ante de dar seguimento ao ponto estabelecida como proposta de análise, pretende-se externar o inconformismo com a desnecessária e complexa normatização do assim chamado lançamento por homologação, que nada mais é do que a situação fática em que o contribuinte faz a sua declaração do tributo devido para recolhimento, com posterior possibilidade de revisão do procedimento pela fiscalização fazendária.

Chamar este procedimento de lançamento por homologação representa um apego às formas jurídicas complexas sobre matéria simples e objetiva. Não se visualiza nenhum primor legislativo nesta questão. Luciano Amaro também adotou uma visão crítica, atribuindo ao lançamento por homologação uma “dose de artificialismo” [2].

A questão do dolo do infrator
Mas voltando ao nosso tema central de artigo, é intuitiva a percepção de que cabe ao agente fiscal, com competência para fiscalizar e lançar o crédito tributário, o trabalho de identificar na infração constatada a presença de dolo do contribuinte infrator para reunir os elementos necessários para a correta aplicação da regra decadencial adequada para o caso. Sendo conduta dolosa, fraudulenta ou em conluio, de imediato se afasta a aplicação da decadência prevista no artigo 150, § 4º, do CTN, aplicando, em consequência, o prazo previsto no artigo 173, I, do mesmo CTN.

Esta mesma análise também deverá ser feita por quem estiver munido da competência judicante, seja na esfera administrativa, na tramitação dos processos contenciosos nos tribunais administrativos tributários, seja no contencioso judicial, sempre com o objetivo de aplicar a norma decadencial adequada para cada caso.

Neste ponto é necessário lembrar que uma significativa parcela das e evasões fiscais não decorrem de conduta dolosa e nem de fraude ou conluio; as infrações tributárias, que prescindem do elemento volitivo para a sua caraterização, muitas vezes são cometidas em razão da complexidade do sistema tributário vigente, da má compreensão da legislação imprecisa, resultando numa grave insegurança jurídica conhecida por todos que militam na área tributária.

A intenção de lesar o fisco
E como se prova o dolo, já que não se presume ato doloso?

A prova do dolo deve ser extraída da própria materialidade da infração contra a ordem tributária. A narrativa da conduta deve servir para caracterizar o elemento doloso.

Assim, por exemplo, o uso de documentação falsa, procedimentos premeditados com o objetivo de lesar o fisco, fraude nas informações fiscais, e mesmo a associação em conluio com terceiros com a finalidade clara de descumprir a obrigação tributária, a não emissão de documentos fiscais para subtrair as operações ou prestações à incidência tributária, a simulação de operações ou prestações para geração de créditos nos tributos regidos pela não cumulatividade, são posturas que demonstram a busca por resultados lesivos ao fisco, em benefício do contribuinte infrator.

A prova será constituída diante da percepção da intenção inequívoca do contribuinte em lesar a Fazenda Pública através da evasão fiscal premeditada. Este elemento volitivo configurado no dolo que também pode se materializar através da fraude ou conluio, afasta, de plano, a aplicação do prazo decadencial previsto no artigo 150, § 4º, do CTN.

Complexidade normativa e ausência de dolo
Por outro lado, o sistema tributário brasileiro, pela sua conhecida complexidade, representa um desafio para o contribuinte, no sentido de interpretar, compreender a legislação tributária e dar cumprimento a todas as obrigações que lhe são impostas relacionadas ao pagamento de seus tributos. Por oportuno lembrar que essa complexidade foi o argumento motivador para que a reforma tributária avançasse, com a promessa de uma simplificação do sistema, embora esse objetivo já tenha sido ameaçado pelos diversos regimes tributários e exceções inseridos no projeto aprovado.

Pelo grau de detalhamento técnico formalizado em nossa legislação e de toda a complexidade normativa, é praticamente impossível que um contribuinte passe ileso de uma auditoria fiscalizatória, sem a constatação de nenhuma irregularidade, formal ou material, irregularidade esta que muitas vezes é totalmente alheia à intenção do sujeito passivo, portanto, sem a presença de dolo na conduta.

Infrações involuntárias
Podem-se citar algumas situações em que ocorrem essas infrações involuntárias, sem a presença de dolo.

Em primeiro lugar, dá-se destaque para a infração cometida em decorrência de interpretação da lei em dissonância com o entendimento do fisco. É comum ocorrer a hipótese em que o contribuinte opera de boa-fé em suas atividades de cumprimento das obrigações tributárias, recolhendo o tributo que entende devido; no entanto, num procedimento de fiscalização, o agente fiscal ostenta posicionamento diverso, o que coloca o contribuinte na condição de infrator.

Ainda dentro do contexto da exegese, é comum o desencontro interpretativo entre o fisco e contribuinte no campo do planejamento tributário. Considerando que o nosso sistema tributário é lacunoso no estabelecimento da linha divisória entre elisão [3] e evasão [4] fiscal, o contribuinte, ao perseguir um modelo de economia tributária em sua organização empresarial, que supõe legítimo e legal, pode ser surpreendido com a desaprovação do fisco, resultando na exigência do crédito tributário via lançamento de ofício, do valor da economia tributária.

Deve-se ainda considerar os erros e falhas na aplicação da legislação, que pode ocorrer em diversas situações, como por exemplo, na aplicação da alíquota menor que a devida; na falha de identificação do regime tributário, com o consequente recolhimento do tributo a menor que o devido; a fruição indevida de benefícios fiscais, por falta de clareza normativa; enfim, é comum que o contribuinte sofra uma exigência fiscal de ofício em decorrência do cometimento de uma infração tributária devido a um ato irregular involuntário.

Conclusão
Em todas estas situações estará presente um dos pressupostos para a aplicação do prazo decadencial segundo artigo 150, § 4º, do CTN, prazo mais benéfico ao contribuinte, como já anunciado.

Portanto, a autoridade fiscal, com a competência de constituir o crédito tributário, nos termos do artigo 142, do CTN, tem o dever de identificar, a partir da materialidade da infração constatada, a presença ou não de conduta dolosa, fraudulenta ou em forma de conluio do sujeito passivo, para reconhecer a decadência do direito de lançar, pela sua forma adequada, dever este também extensivo aos julgadores dos tribunais administrativos e judiciais.

[1] Art. 146. Cabe à lei complementar:
[…]
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
[…]

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
[2] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 389.
[3] Elisão, segundo a doutrina, é o procedimento de economia tributária nos contornos da lei. Pela sua natureza preventiva, o ato elisivo é praticado antes da ocorrência do fato gerador.
[4] Evasão fiscal, também pela concepção da doutrina, representa a prática de sonegação fiscal, com o descumprimento da obrigação tributária.

Deonísio Koch

é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.

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