Reforma tributária: A redução de 30% na alíquota do IBS ou da CBS para profissões intelectuais
Eduardo Salusse
A Proposta de Emenda Constitucional da reforma tributária (PEC 45) está em fase de votação final.
Dentre os arranjos finais, aponta-se a tentativa de suprimir, na Câmara dos Deputados, a redução de 30% das alíquotas do IBS e da CBS relativas à prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional.
Este dispositivo foi acrescentado no Senado Federal, compondo o artigo 9º, parágrafo 12º, do texto atual da PEC 45 aprovado no Senado Federal.
A medida atinge, basicamente, atividades exercidas por profissões regulamentadas, como engenheiros, contadores, arquitetos, economistas, advogados e outros.
Alguns parlamentares têm apresentado manifestações no sentido de suprimir mais esta regra do texto, o que parece ser um grande equívoco no contexto em que a reforma se transformou. São estas as principais razões:
1.A PEC 45, em seu texto originário, pretendia estabelecer uma alíquota uniforme para todos os bens, direitos e serviços, sem qualquer exceção, prevendo restituir o tributo pago sobre o consumo apenas à população mais carente. Assim, privilegiar-se-ia tributar mais ricos ou desonerar mais pobres, acertando na escolha de distinguir as pessoas e não os bens e serviços por elas consumidos. Ao admitir exceções, a Câmara e o Senado Federal optaram por prestigiar a essencialidade do bem, direito ou serviço, cuja condição é bastante evidente no texto constitucional para atividades como saúde, educação, transporte, advocacia, engenharia e outros. Ocorre que, na prática, o texto preteriu atividades constitucionalmente essenciais (sim, a escolha do que é essencial já está na Constituição e não no juízo de cada um) em favor de outras de essencialidade absolutamente duvidosa.
2.A redução de alíquotas para os serviços de profissão intelectual fiscalizadas por conselho profissional (entenda-se, profissões regulamentadas), além de prestigiar a essencialidade de todas elas, causará um ínfimo impacto na arrecadação e na alíquota base do IBS da CBS, especialmente porque (a) os profissionais que atendem pessoas jurídicas gerarão menor crédito a elas que, por sua vez, pagarão mais IBS/CBS na operação subsequente; e (b) os profissionais que atendem pessoas físicas consumidores finais estão, em sua esmagadora maioria, submetidas ao regime do Simples e em nada afetarão a arrecadação do IBS e da CBS.
3.Os serviços de profissão intelectual, como o nome já diz, são eminentemente intelectuais e não exigem insumos para serem realizados, senão uma qualificada e cara mão de obra. Isto significa que, ao contrário de outras atividades, praticamente todos os seus custos não gerarão créditos a serem compensados pelos prestadores destes serviços, de modo que o impacto da CBS e do IBS atingirá em cheio o valor dos serviços, encarecendo-os significativamente aos consumidores finais. Será, a bem da verdade, uma maior dificuldade de acesso a direitos essenciais pela sociedade.
4.Os profissionais intelectuais que atendem empresas e contribuintes do IBS e da CBS, a despeito de a eles gerarem créditos, encontram-se em situação de enorme fragilidade negocial, tratando-se de simples pessoas físicas negociando com grandes empresas e poderosos grupos econômicos, sendo absolutamente previsível uma grande dificuldade em conseguirem realinhar preços diante da propagada transferência dos créditos aos seus clientes. A redução da alíquota, tal como aprovada no Senado Federal, mitigaria esta pressão econômica, trazendo uma sensível melhoria nas condições negociais entre as partes.
5.Estes profissionais já suportam elevada carga tributária sobre as suas rendas líquidas (partindo de 15,75% para os que atuam no Simples, passando por 27,5% do que atuam como pessoas físicas e superando os 40% para os que atuam como sociedade uniprofissionais nos regimes do lucro real ou presumido), tal como escrevi em recente artigo nesta coluna. O incremento do IBS e da CBS nos patamares propostos, simplesmente inviabilizarão as sociedades de profissões regulamentadas, elevando a carga tributária para além de 60% sobre a renda líquida destes profissionais, o que equivale, em alguns cenários, no aumento próximo a 700% na carga tributária sobre o consumo.
6.No Brasil, há cerca de 10 milhões de profissionais liberais (IBGE) que podem ser diretamente afetados pelos impactos decorrentes deste aumento de custo, o que provocará desemprego e queda do poder aquisitivo, tendo, como consequência, efeitos nefastos para a economia, para a arrecadação e para o país.
Por fim e reiterando em alto e bom som, se a proposta excluir todas as exceções, retomando a ideia inicial do seu texto, as considerações deste texto devem ser revistas. Mas, enquanto privilégios absurdos existirem, a redução da alíquota de serviços de profissões intelectuais deve ser mantida ou até melhorada, atendendo as escolhas de essencialidade feitas expressamente pelo legislador constitucional.
Eduardo Salusse
Graduado e doutor em direito pela PUC/SP, mestre em direito tributário e responsável executivo de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais na FGV Direito SP