Localização das empresas deixará de ser baseada só em benefícios fiscais?

Rodrigo de Castro Barros, Paulo Henrique Gomes de Oliveira

Uma das expectativas da reforma tributária é o “fim” da guerra fiscal, tanto para estados ou municípios, que fez com que empresas se instalem em locais distantes dos polos de consumo, por conta da política de benefícios e incentivos fiscais para melhoria dos resultados do negócio.

Já aprovada na Câmara dos Deputados, a reforma, uma das mais importantes das últimas décadas, traz a expectativa de modernização e destravamento para o desenvolvimento do nosso país, mesmo que ainda repleta de muitas incertezas sobre a aprovação integral ou parcial (com emendas), um ponto parece pacificado na essência do texto apresentado: o fim da guerra fiscal.

Afinal, este é um assunto que vem sendo debatido desde os anos 1980, quando parte das empresas deixaram seu local de fundação, que originalmente era próximo ou do suprimento ou dos consumidores, e passaram a posicionar suas instalações logísticas e/ou industriais em locais que oferecem benefícios fiscais, como por exemplo, uma redução na alíquota de ICMS.

Esse movimento migratório, em um primeiro momento, permitiu a criação de alguns polos industriais e logísticos e, consequentemente, o avanço social foi acompanhado com a criação de postos de trabalho, escolas, hospitais e toda infraestrutura acerca dessas regiões.

Assim, esperava-se como consequência o desenvolvimento econômico-social de regiões antes desfavorecidas por não serem grandes centros de consumo. Todavia, ao passar dos anos, essa expectativa tomou a forma de um déficit de arrecadação para os estados que concederam os benefícios sem uma contrapartida na altura do esforço de caixa realizado pelo estado promotor do benefício.

Por exemplo, um consumidor que deseja comprar um celular em uma loja física e retirar no ato da compra, em São Paulo, carrega no preço final do produto a alíquota de ICMS de 18%, contudo, se o cliente optar a comprar pelo e-commerce e aguardar alguns dias para a entrega em sua residência (ou até mesmo, retirar diretamente na loja), e o Centro de Distribuição desta loja estiver localizado em algum estado com algum benefício fiscal, o componente residual de ICMS será significativamente menor, o que significa um menor preço ao consumidor, ou uma margem maior para o varejista. Como a proposta da reforma tributária pretende encerrar a guerra fiscal?

A reforma tributária pauta a unificação dos impostos no modelo de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) Dual, criando dois tributos não cumulativos, quais sejam:

— CBS, Contribuição para Bens e Serviços: em substituição aos impostos federais PIS, Cofins e IPI;
— IBS, Imposto sobre Bens e Serviços: em substituição ao ICMS (estadual) e o ISS (municipal).

A principal característica comum aos dois tributos a serem instituídos será a “não cumulatividade”; ou seja, a possibilidade dos contribuintes se creditarem integralmente dos valores pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva, evitando, assim, a tributação em cascata.

Portanto, cada contribuinte arcará apenas com o valor de tributo correspondente ao seu acréscimo de valor, podendo creditar-se do valor já tributado pelos contribuintes anteriores relacionados ao item da cadeia produtiva.

O objetivo principal é a busca de maior justiça fiscal, extirpando os efeitos da sobreposição da incidência de tributos ao longo de cada etapa de produção ou execução de serviços. Atualmente, verifica-se um corriqueiro conflito de normas e de entendimentos jurisprudenciais sobre qual parcela e sobre qual produto poderá ser creditável, ou não na etapa seguinte, provocando insegurança e sobrecarga tributária em diferentes seguimentos da economia.

A reforma tributária propõe, tanto para a CBS quanto para o IBS, três alíquotas, sendo:

— alíquota padrão;
— reduzida em 60% (da alíquota padrão): serviços de educação, serviços de transporte público coletivo, insumos agropecuários, destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal, medicamentos etc;
— redução de 100% (da alíquota padrão): para Cesta Básica Nacional, dentre outros.

Ainda haverá a manutenção de regimes favorecidos (incluindo Zona Franca de Manaus e Simples Nacional) e regimes específicos para:

— Combustíveis e lubrificantes
— Sociedades cooperativas
— Sociedades de hotelaria
— Restaurantes
— Aviação regional
— Parques de diversão e temáticos
— Serviços financeiros, operações de bens e imóveis, planos de assistência à saúde e concursos
— Operações contratadas pela administração pública direta, autarquias e por fundações

Além da criação da CBS Nacional, suprimindo o PIS, a Cofins e o IPI, e do IBS Subnacional, substituindo o ICMS e o ISS, a reforma tributária estabelece a criação de um terceiro tributo, chamado de Imposto Seletivo, que incidirá sobre “bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, o qual, por conta da ausência de critérios específicos no texto aprovado na Câmara dos Deputados, pode englobar praticamente qualquer produto.

Quais as consequências para a estratégia de localização das empresas?

Apesar da reforma ainda não estar totalmente aprovada e, sabendo que seu contexto pode sofrer alterações, com impostos unificados entre os entes da federação, os atrativos para empresas se localizarem distantes de grandes centros urbanos podem não ser mais suficientes, visto que o frete last mile (frete de última milha, para entrega ao cliente) costuma ser o mais oneroso que o frete de transferência (entre centros de distribuição ou da fábrica para um centro de distribuição).

Pelo texto atual da reforma tributária sobre o consumo aprovado na Câmara dos Deputados, os estados não poderão conceder novos benefícios fiscais às empresas interessadas em fazer investimentos em determinada unidade da federação. A impossibilidade da concessão de novos benefícios fiscais, contudo, não terá o condão de suspender os benefícios já concedidos às empresas e que estão atualmente em vigor. Os atuais benefícios fiscais, em regra, permanecerão vigentes até pelo menos 2032.

Para contornar o fim dos benefícios fiscais, será criado um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) para compensar eventuais perdas de arrecadação dos estados. O capital será oriundo da União a partir de 2029 e não há prazo estipulado para a sua extinção.

Alguns senadores de estados do Nordeste já se manifestaram no sentido de que se volte a constar na no texto da reforma tributária a prorrogação de benefícios fiscais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que, pelo texto aprovado na Câmara, será extinto, para que as plantas automobilísticas presentes nas regiões norte, nordeste e centro-oeste tenham esse benefício até dezembro de 2032.

Noutro giro, um dos maiores desafios da reforma tributária será garantir a atratividade e a competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM), ainda que seja alterada toda a estrutura da sistemática de cobrança dos tributos incidentes sobre o consumo.

O texto aprovado na Câmara estabeleceu que os a legislação específica sobre a instituição do IBS, CBS e IS deverão definir mecanismos para preservar o diferencial competitivo assegurado à ZFM. Caso a nova tributação represente uma carga tributária maior, de maneira a suprimir incentivos fiscais anteriormente concedidos, será mandatório, por força da própria Constituição, que a legislação preveja ferramentas que resguardem o direito das empresas já instaladas na ZFM.

De qualquer forma, as propostas à alteração do texto preveem um prazo-fim dos benefícios fiscais, exceto à ZFM. Portanto, ao apresentar a padronização das alíquotas, independentemente do estado onde está localizada, a reforma tributária dos tributos = sobre o consumo pode gerar, considerando o médio e longo-prazo, um novo movimento de migração das empresas, posicionando suas instalações industriais e logísticas próximas ao local de consumo, com tendencia a um número maior de instalações para racionalização dos gastos com fretes, o que chamamos de descentralização. Naturalmente, os clientes terão uma melhor disponibilidade dos produtos, pela rápida reposição das lojas físicas e na redução dos prazos de entrega.

Isso não implica, necessariamente que a empresa vai localizar suas instalações logísticas em apenas um único ponto, mas sim, poderá haver a indicação da dispersão dos estoques em múltiplas localidades, pois o gasto com fretes para transferir os estoques entre centros logísticos (ou entre fábrica e centro logístico) tende a ser menor que o gasto para entregar para o cliente final (loja ou pessoa física).

Isso já é uma realidade em diversos países desenvolvidos como Estados Unidos e toda região da Europa e certamente traria para o Brasil um avanço nas discussões sobre a melhor experiência do cliente. Com impactos ainda nas questões ambientais com menor consumo de combustíveis decorrente das “viagens fiscais”, quando um produto sai, por exemplo do sudeste, vai para o nordeste, para ser vendido e entregue no sudeste novamente.

Afinal, quais as expectativas para as empresas?

As empresas revisarão suas malhas logísticas, adequando-as para melhorar o nível de serviço aos clientes e não mais apenas pela captura de benefícios fiscais. A estratégia de descentralização, com um maior número de centros logísticos, será propulsora para a geração da vantagem competitiva e condição de sucesso.

Rodrigo de Castro Barros, Paulo Henrique Gomes de Oliveira

Rodrigo de Castro Barros é sócio-diretor na Connexxion Brasil.

Paulo Henrique Gomes de Oliveira é coordenador nacional da área Tributária do Ferrareze & Freitas Advogados

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