Exclusão do ICMS da base do PIS-Cofins não deve implicar na vedação de créditos
Guilherme Henrique Martins Santos, João Pedro Riccioppo Cerqueira Gimenes
A discussão sobre a exclusão do ICMS do cálculo dos créditos de PIS e Cofins poderá resultar na nova “tese do século”, como evidenciam recentes notícias [1] e decisões proferidas em âmbito dos tribunais regionais [2].
Ficou popularmente conhecida como a “tese do século” a controvérsia objeto do Tema nº 69, por meio da qual o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 574.706/PR, decidiu em sede de repercussão geral que o ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da Cofins.
Com trânsito em julgado em setembro de 2021, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) se manifestou por meio do Parecer SEI nº 14483/2021, destacando que o julgamento do RE 574.706 não tratou da sistemática de creditamento das contribuições ao PIS e à Cofins, concluindo pela impossibilidade de se proceder ao “recálculo de créditos de PIS/Cofins apurados nas operações de entrada, porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida no julgamento do Tema 69”. Logo, o valor do imposto estadual continuaria a compor as bases de crédito do PIS e da Cofins nas operações de entrada.
Não obstante, para fazer frente à perda arrecadatória ocasionada pela retirada do ICMS da base das referidas contribuições, o novo Governo se mobilizou, por meio de alterações da legislação, estabelecendo a exclusão do ICMS também da base de cálculo do crédito das referidas contribuições nas operações de aquisição.
A situação teve início com a Medida Provisória nº 1.159, publicada em 12 de janeiro de 2023, quando houve o “esboço” da alteração das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 — que tratam da sistemática não cumulativa das contribuições ao PIS e à Cofins — com objetivo de impedir o creditamento de PIS/Cofins sobre o valor do ICMS que tenha incidido na operação de aquisição (entrada), a partir da introdução do “inciso III” no §2º do artigo 3º de ambas as Leis.
Sob o aspecto formal, o contexto do processo das alterações legislativas tem sido bastante questionado, isso porque, tal restrição foi posteriormente objeto da Lei nº 14.592/2023, publicada em 30 de maio de 2023 — que tem origem na conversão da Medida Provisória nº 1.147/2022 (que alterou, no final do antigo Governo, a Lei que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos — Perse).
Ou seja, o conteúdo da MP nº 1.159/2023 foi simplesmente incorporado ao texto de uma outra MP e convertida na Lei nº 14.592/2023, que versa sobre outras matérias. Acredita-se que a situação viola o artigo 62 da Constituição Federal, sendo plenamente possível questionar sua validade, em razão da inexistência de urgência e relevância constitucionalmente justificáveis.
De qualquer forma, com a introdução desta nova regra no ordenamento jurídico, os contribuintes que apuram as contribuições sob a sistemática não cumulativa não terão direito a crédito de PIS e Cofins sobre o valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição.
Como consequência, os contribuintes acabaram experimentando um aumento indireto da carga tributária das mencionadas contribuições, além da necessidade de conformar suas operações, pela necessidade de parametrização de seus sistemas, o que implica em aumento do seu custo de conformidade.
Contudo, há espaço para que os contribuintes levem a discussão ao Poder Judiciário, objetivando assegurar o reconhecimento da inclusão do ICMS nas respectivas bases de crédito do PIS e da Cofins, nas operações de aquisição.
Isso porque, às margens da Constituição e da legislação infraconstitucional, pode-se afirmar que o valor do bem é indissociável do valor do ICMS (conforme Lei Kandir — LC nº 87/1996). Isto é, não é possível segregar da mercadoria adquirida o imposto estadual (ICMS [3]. Tal premissa é importante, pois as legislações do PIS e da Cofins estabelecem que a base de cálculo para apuração dos créditos das respectivas contribuições corresponde ao “valor do bem”, que basicamente corresponde ao preço pago pelo adquirente, nos termos do artigo 3º, §1º, inciso I, das Leis nº 10.637/2002 (PIS) e 10.833/2003 (Cofins).
Dessa forma, ainda que o ICMS não componha mais a base de cálculo para incidência do PIS/Cofins, este deverá continuar compondo o valor do bem (nas operações de aquisição), devendo ser considerado nas respectivas apurações do crédito das contribuições.
Além do mais, a determinação legal de exclusão do ICMS das bases de crédito do PIS e da Cofins contraria ao regime não cumulativo das contribuições, que é diferente da sistemática do IPI e do ICMS — que utilizam o “Método de Crédito do Tributo”, previsto nos artigos 153, §3º, II e 155, §2º, I, da CF/88, por meio do qual o imposto poderá ser compensado com o que for devido em cada operação com montante cobrado na etapa anterior da cadeia.
Por sua vez, no campo das contribuições ao PIS e à COFINS o texto constitucional (v. §12, artigo 195) foi mais suscinto, deixando a cargo da lei [4] a definição dos setores de atividade econômica para os quais as contribuições serão não cumulativas. Ainda, em relação à sistemática, foi adotado o “Método Indireto Subtrativo”, diante do qual o direito ao crédito é gerado internamente na empresa [5], ou seja, não há vinculação entre o valor do débito de imposto anterior e o crédito a ser aproveitado pelo contribuinte (como ocorre com o ICMS e o IPI).
De certo modo, a situação da não cumulatividade das contribuições já fora objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando do julgamento do RE nº 607.642/RJ que pontuou o seguinte:
“5. O §12 do artigo 195 da Constituição autoriza a coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo. Ao cuidar da matéria quanto ao PIS/Cofins, o texto constitucional referiu apenas que a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições serão não cumulativas, deixando de registrar a fórmula que serviria de ponto de partida à interpretação do regime. Diferentemente do IPI e dos ICMS, não há no texto constitucional a escolha dessa ou daquela técnica de incidência da não cumulatividade das contribuições sobre o faturamento ou a receita.”
No contexto do PIS/Cofins, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou no sentido de que: “o sistema de não cumulatividade viável para Cofins e PIS deve determinar as despesas e custos a serem considerados para creditamento, o que reclama especificação por lei, e com isto não desbordou o legislador, na disciplina instituída pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, da tarefa de operacionalizar a não cumulatividade dessas contribuições ante a especificidade de sua incidência sobre a receita” (AgRg nos EDcl no REsp 1.429.952/SC).
Assim, na prática, o Método Indireto Subtrativo, uma vez encontrado o débito (que é o valor a pagar das contribuições), será necessário apurar, calcular e descontar os créditos, observando-se as regras gerais e básicas para aproveitamento ou não de crédito — seguindo as determinações das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 e do artigo 17 da Lei 11.033/04. Outro ponto importante atrelado ao referido método se refere às alíquotas que serão utilizadas na apuração dos créditos que, salvo exceções legais, serão calculados às alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6% (Cofins).
Conclui-se, portanto, que o valor do crédito apurado das referidas contribuições independe de valores pagos de impostos (como o ICMS) nas etapas anteriores. Assim, tem-se como inconstitucional e ilegal a determinação da exclusão da parcela do ICMS das bases de créditos das contribuições ao PIS e à Cofins nas operações de aquisição, pois sujeitam aos contribuintes a pagarem mais imposto do que é devido.
[1] Disponível em:
[2] Mandado de Segurança nº 5001361-70.2023.4.03.6133 (TRF3) e Agravo de Instrumento nº 5005005-17.2023.4.02.0000 (TRF2).
[3] O Supremo Tribunal Federal já assentou que o ICMS compõe o valor do bem, ao julgar o RE nº 582.461/SP (Tema 214 da Repercussão Geral) fixou a seguinte tese: “I – É constitucional a inclusão do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na sua própria base de cálculo; (…)”.
[4] O STF no julgamento do RE nº 841979 (Tema 756 da Repercussão Geral) fixou a seguinte tese: “I. O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o artigo 195, §12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e Cofins e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança;(…)”.
[5] Nesse sentido, elucida o professor Fabio Rodrigues de Oliveira, no e-book de Gestão de PIS e Cofins. FIPECAFI. 2022. Pág. 12.
Guilherme Henrique Martins Santos, João Pedro Riccioppo Cerqueira Gimenes
Guilherme Henrique Martins Santos é advogado e sócio de Mazzucco&Mello Sociedade de Advogados, especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor jurídico da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico.
João Pedro Riccioppo Cerqueira Gimenes é advogado de Mazzucco & Mello Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).