Multa por falsidade e multa agravada em pedidos de compensação
Thais de Laurentiis
Em março desse ano, apreciando o RE 796.939 (Tema 736) e a ADI 4.905/DF, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do §17 do artigo 74 da Lei 9.430/96 [1], e, por arrastamento, a inconstitucionalidade do inciso I do § 1º do artigo 74 da Instrução Normativa RFB 2.055/2021. Assim, por violar o direito fundamental de petição e o princípio da proporcionalidade, não é mais juridicamente válida a cobrança da multa isolada de 50% sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada.
Nesse julgamento, cujo trânsito em julgado ocorreu em junho de 2023, a Corte Constitucional examinou todo o histórico legislativo das compensações na esfera federal, para concluir que atendidos os requisitos previstos em lei, (condições e garantias do artigo 170 do Código Tributário Nacional), a compensação tributária caracteriza direito subjetivo do sujeito passivo da obrigação, sem qualquer subordinação à avaliação de conveniência e oportunidade da administração fiscal.
Assim, doravante ao Carf caberá adotar esse entendimento, cancelando as cobranças das referidas multas controladas por meio de autos de infração, dando cumprimento assim artigo 62, §2º de seu Regimento Interno.
Todavia, não é só da multa isolada de 50% que vive o contencioso administrativo federal sobre penalidades relacionadas a pedidos de compensação. É constante a avaliação de lançamentos de multa por falsidade e multa agravada em processos desse jaez, como abordaremos na coluna de hoje.
Como é consabido, temos como regra geral a aplicação da penalidade no patamar de 75% do valor devido a título de tributo pelo sujeito passivo, nos casos de lançamento de ofício do crédito tributário pela autoridade fazendária, conforme dispõe o artigo 44, I da Lei nº 9.430/1996.
Ademais, constatas determinadas condutas dolosas (fraude, conluio ou sonegação, nos termos dos artigos 71, 72 e 73 da Lei no 4.502/1964), esta multa de ofício poderá ser qualificada, o que, na esfera federal, significa duplicada, alcançando então o percentual de 150% a título de penalidade pelo não recolhimento dos tributos devidos aos cofres públicos. É o que dispõe o §1º do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996. Vê-se que aqui a finalidade da multa é punir a intenção dolosa do contribuinte de, utilizando meios escusos, evadir, ocultar, impedir, postergar, mascarar o seu dever tributário, ludibriando o fisco.
Outra majoração possível da penalidade aplicável ao sujeito passivo da obrigação tributária é o agravamento da multa de ofício, com fulcro no art. 44, §2º da Lei nº 9.430/1996. A autoridade tributária deve impor tal agravamento da penalidade, que representa mais 75% do valor dos tributos devidos, quando o contribuinte, no prazo marcado em intimação 1) deixar de prestar esclarecimentos; 2) deixar de apresentar os arquivos ou sistemas de que tratam os artigos 11 a 13 da Lei no 8.218, de 29 de agosto de 1991; ou 3) deixar de apresentar a documentação técnica, posta no artigo 38 da própria Lei nº 9.430/96 (arquivos magnéticos). Nessas hipóteses, é claro que a multa agravada tem como foco penalizar a falta de colaboração do contribuinte com o fisco federal, o que pode causar dificuldades e embaraços à fiscalização.
Assim, havendo a qualificação e, concomitantemente, o agravamento da multa, chega-se ao total de 225% de penalidade cobrada do sujeito passivo.
Em paralelo a essas conhecidas linhas gerais sobre as multas devidas na esfera federal, temos os casos de penalidade associadas aos pedidos de crédito (restituição, compensação ou ressarcimento) pelo sujeito passivo.
Desde a alteração promovida pela Lei nº 12.249/2010 no §17 do artigo 44 da Lei nº 9.430/96, a Receita Federal cobrou dos contribuintes multa isolada de 50% sobre o crédito objeto de declaração de compensação não homologada. Já nas hipóteses de compensações consideradas não declaradas, o contribuinte ou responsável, sujeita-se à multa de 75% sobre o valor do débito indevidamente compensado, nos termos do artigo 18, § 4º, da Lei 10.833/2003 (alterada pela Lei 11.488/2007) c/c artigo 44, inciso I, da Lei 9.430/1996. Essa última multa, poderá alcançar o montante de 150% em caso de sonegação, fraude ou conluio (cf. artigo 18, § 4º, da Lei 10.833/2003).
Como anteriormente mencionado, no recente julgamento do Tema 736 e da ADI 4.905/DF, o STF entendeu pela inconstitucionalidade da primeira das penalidades citadas no parágrafo acima, qual seja, a multa isolada de 50% por compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pela sujeito passivo
É certo que o julgamento do STF não se aplica, portanto, para os casos de falsidade, como expressamente fez constar o ministro Gilmar Mendes, relator da ADI 4.905/DF em seu voto, nos seguintes dizeres: “importante destacar que o dispositivo questionado não discrimina o motivo que ensejou a não homologação, mas exclui, de forma explícita, a hipótese de falsidade da declaração. Portanto, não se está aqui a debater a aplicação de multa em caso de declaração comprovadamente falsa”.
Justamente para os casos de falsidade, há penalidade específica trazida pelo artigo 18, caput da Lei nº 10.833/2002. Lembremos seu texto:
“Art. 18: O lançamento de ofício de que trata o art. 90 da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, limitar-se-á à imposição de multa isolada em razão de não-homologação da compensação quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.”
Ainda, o §5º do citado artigo 18 prescreve:
“§5º. Aplica-se o disposto no § 2º do art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, às hipóteses previstas nos §§ 2o e 4o deste artigo.”
Ou seja, a legislação entende que também nos processos oriundos de pedido de compensação por parte do contribuinte, não sendo devidamente atendidas as intimações da fiscalização (sujeito passivo deixar de prestar esclarecimentos; deixar de apresentar os arquivos ou sistemas; ou deixar de apresentar a documentação técnica), deve ser aplicada a multa agravada prevista nos incisos do §2º do artigo 44 da Lei nº 9.430/96.
Daí interessante avaliar pontos de aproximação e de distanciamento da multa agravada em processos cuja origem do lançamento tributário são pedidos de crédito pelos contribuintes, em comparação àqueles processos de autoria da fiscalização (autos de infração).
Um primeiro ponto de destaque importante é que, em ambas as hipóteses, parece clara a necessidade de que a autoridade fiscal autuante indique qual dos incisos do artigo 44, §2º da Lei nº 9.430/96 foi violado pelo contribuinte, para que reste devidamente justificada a imputação da penalidade. Do contrário, restará configurado vício quanto à motivação do auto de infração, conforme já se manifestou a 1ª Turma da CSRF no Acórdão 9101-004.769, de 6/2/2020.
Sobre a definição das hipóteses de incidência do agravamento da penalidade, bem elucidou Eduardo de Andrade [2]:
“Por outro lado, se a não prestação de informações já, por si só, causar aumento da base de cálculo do contribuinte, como no caso do IRPJ, em que a falta do comprovante de despesa configura a sua indedutibilidade, ou seja, no caso em que a apresentação do esclarecimento beneficiaria o contribuinte, não há fala em agravamento da penalidade de ofício pela não prestação do documento. Isto porque a finalidade da exasperação da multa é exatamente coagir legalmente o contribuinte a colaborar com a fiscalização. Na medida em que evidentemente a finalidade não seria alcançada pela sua aplicação, descabe o agravamento.”
Em grande medida é essa a lógica por trás das Súmulas Carf nº 96 [3] e 133 [4]. Se a fiscalização culmina em arbitramento do lucro ou presunção de omissão de receita, no contexto de ausência de resposta à fiscalização, o contribuinte já sofre as consequências da falta de colaboração com o fisco pelo próprio lançamento tributário nessas modalidades.
Embora sejam diversas as nuances da aplicação da multa agravada, como já pontuado nessa coluna [5], podemos ver cada vez mais precedentes enfatizando a necessidade de sopesar o dever de colaboração dos contribuintes no momento de aplicação da penalidade. Nesse sentido, no Acórdão 1201-005.909, de 22/6/2023, pontuou-se que o agravamento da penalidade deve ser aplicado quando a conduta do sujeito passivo acarretar um prejuízo concreto ao curso da ação fiscal.
Tendo isso em vista, no que diz respeito aos casos que tem como origem pedido de direito de crédito pelo contribuinte, cumpre também fazer algumas colocações. Trata-se de direito de petição que lhe beneficiaria, uma vez que a eventual homologação do crédito permitiria o abatimento com débitos postos na DComp transmitida à Receita Federal. Quer dizer que, regra geral, a não apresentação da documentação para comprovar o crédito somente prejudica o próprio contribuinte, sem em nada atrapalhar o trabalho da autoridade fiscal. Isto quer dizer que não se encontra presente, nesse tipo de caso, a hipótese de incidência da multa agravada prevista no artigo 16, §5º da Lei nº 10/833/2002 c/c artigo 44. §2º da Lei nº 9.430/96. Afinal, não se dá causa a dificuldades e embaraços à fiscalização, que é o bem jurídico que a penalidade em apreço visa tutelar, ao obrigar o contribuinte a colaborar com as investigações.
O que se quer enfatizar é que a falta de atendimento à fiscalização pelo contribuinte, sem trazer qualquer prejuízo à ação fiscal que não homologa a compensação, não parece ter o condão de ensejar o agravamento da penalidade.
Nessa toada, foi proferido o Acórdão nº 1301002.499, de 21/6/2017, ressaltando que “a mera omissão frente às duas intimações requerendo elementos e documentos faltosos ou adicionais para comprovação do crédito pleiteado não podem ser entendido como deliberadamente causada com o intuito de fraudar a fiscalização, pois, em ultima instância, estaria prejudicando apenas a validação do crédito tributário, e não o autuação fiscal propriamente dita, vez que havia elementos suficientes para realizar o lançamento fiscal”. No caso, chama a atenção que a discussão enveredou para a existência ou não de dolo, muito embora o artigo 136 do Código Tributário Nacional determina a objetividade na imputação de penalidades tributárias.
Há ainda outro ponto interessante sobre a temática dos limites à aplicação da penalidade agravada.
A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Interna Cosit nº 7, de 21/10/2019, expressou entendimento no sentido de que é a falta de esclarecimentos para justificar determinada situação de fato e de direito, e não a falta de apresentação de documentos, que justifica o agravamento da penalidade prevista no art. 42, §2º, inciso II da Lei n. 9.430/96 [6].
Neste sentido, a 1ª Turma da CSRF já proferiu decisão, afastando a multa quando a problemática dos autos se restringe a não apresentação de documentos fiscais, no Acórdão nº 9101-003.279, de 6/12/2017. Esse julgamento foi repetido no Acórdão nº 9101-004.453, de 9/10/2019.
Por esses apontamento vemos que, apesar de ser consabida a limitação cognitiva do contencioso administrativo no que diz respeito à questões constitucionais (Súmula Carf nº 2) [7], ponderações a respeito da finalidade da multa agravada permeiam a análise dos casos concretos pelo Carf, que parece bastante atento aos limites para subsunção dos fatos à hipótese normativa trazida pelo artigo 44, §2º, I da Lei nº 9.430/1996, dando louvável azo à adequação entre meios e fins que preconiza o artigo 2º da Lei nº 9.784/99, ao vedar a imposição de sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
[1] Incluído pela Lei 12.249, de 11 de junho de 2010 e alterado pela Lei 13.097, de 19 de janeiro de 2015
[2] Multa Qualificada na Legislação Tributária Federal. Tese de doutorado. Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo (USP), 2014, pp. 80 e 81.
[3] “A falta de apresentação de livros e documentos da escrituração não justifica, por si só, o agravamento da multa de oficio, quando essa omissão motivou o arbitramento dos lucros.”
[4] “A falta de atendimento a intimação para prestar esclarecimentos não justifica, por si só, o agravamento da multa de ofício, quando essa conduta motivou presunção de omissão de receitas ou de rendimentos.”
[5] https://www.conjur.com.br/2020-ago-19/direto-carf-multa-agravada-embaraco-fiscalizacao-condicoes-aplicacao
[6] “ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO. MULTA AGRAVADA. ART. 44, § 2º, DA LEI Nº 9.430, DE 1996. PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. VINCULAÇÃO COM O ASPECTO MATERIAL. APLICAÇÃO.
O aspecto material da multa tributária vincula-se à conduta esperada do sujeito passivo quanto ao dever de colaboração com a administração tributária. Apenas ao final do procedimento fiscal que resultou em lançamento de ofício é que se tem por configurados todos os elementos que regem a regra-matriz da multa agravada.
A intimação para prestar esclarecimentos a ensejar o agravamento a que se refere o inciso I do §2º do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, não é aquela com objetivo de apresentar um documento, mas sim para prestar esclarecimentos. Prestá-los não significa comprovar alguma informação já em poder do Fisco, mas sim justificar de forma convincente determinada situação de fato ou de direito; a intimação para tanto deve delimitar de forma precisa a(s) informação(ões) requerida(s).
O agravamento previsto no inciso II do §2° do art. 44 da Lei n° 9.430, de 1996, deverá ser aplicado no caso da não apresentação de arquivos e sistemas solicitados pela Fiscalização, quando houver tributo a ser lançado, independentemente das infrações verificadas e da forma de tributação.
Cabível a aplicação isolada da multa regulamentar prevista no inciso II do artigo 12 da Lei n° 8.218, de 1991, para a hipótese de inocorrência de infração que enseje lançamento de tributo. Inexiste a necessidade de um procedimento fiscal prévio (com o consequente lançamento de tributo) como pressuposto para a incidência da multa, incidindo sobre qualquer sujeito que se enquadre nas hipóteses de que trata o art. 11 da Lei nº 8.218, de 1991.
Na impossibilidade de o Fisco utilizar informações contidas nos arquivos magnéticos ou sistemas, em virtude de não atenderem à forma em que devam ser apresentados os registros e respectivos arquivos, deverá ser aplicada tão somente a multa regulamentar estabelecida pelo inciso I do artigo 12 da Lei n° 8.218 de 1991.
Dispositivos Legais: art. 12 da Lei n° 8.218, de 1991; § 2º do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996.”
[7] “O Carf não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.”
Thais de Laurentiis
Conselheira titular do Carf, vice-presidente da Turma 1.201, árbitra no CBMA, doutora e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP — com período na Sciences Po/Paris —, especialista pelo Ibet, graduada pela Faculdade de Direito da USP, associada do IBDT e professora de Direito Tributário e Direito Aduaneiro em cursos de pós-graduação e extensão universitária.