IN regula a opção antecipada das diretrizes de preço de transferência
Verônica Gomes
A Receita Federal divulgou a Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.132/23, que aborda a opção antecipada pelos novos parâmetros de preços de transferência para transações internacionais controladas realizadas ao longo de 2023. A IN é um recurso da Medida Provisória (MP) nº 1.152/22, ainda em análise pelo Congresso.
A MP implementou uma abordagem revolucionária para o cálculo dos preços de transferência ao internalizar o princípio arm’s lenght — que é a base das diretrizes internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essas novas normas se tornarão obrigatórias a partir de 2024, com a possibilidade de ser adotadas de forma optativa ainda em 2023. Para estes casos será efetuada no mês de setembro, por meio do e-CAC, mediante o preenchimento dos requisitos exigidos.
Não foi estabelecida ainda uma regulamentação do novo cálculo, o que impossibilita a estimativa dos efeitos, e consequentemente, o entendimento se haverá ou não adesão.
O que muda com as novas regras de preços de transferência?
A MP 1.152/22 representa uma mudança visceral na legislação e traz a essência das diretrizes (guidelines) de preços de transferência da OCDE, seguida pela maioria dos principais países do mundo.
As empresas brasileiras podem optar por adotar as novas regras para o ano fiscal de 2023, mas a aplicação — se confirmada a conversão da MP 1.152/22 em lei — passa a ser obrigatória a partir de 2024.
Confira abaixo as principais mudanças.
Delimitação da operação controlada: para delimitar a sujeição às regras de preços de transferência esta MP determina a análise dos fatos e circunstâncias da transação, bem como dos riscos econômicos, e das responsabilidades de ambas as partes. Desta forma, amplia a aplicação das regras que — até então — se limitava ao conceito de pessoas vinculadas e a elas equiparadas.
Análise de comparabilidade: o espírito do princípio arm’s lenght é a comparação entre transações controladas e independentes e, como tal, está disciplinada nas novas regras brasileiras, estabelecendo que os termos e condições estabelecidos — naquelas e nestas — devem ser equivalentes. Referida análise deve levar em consideração fatores como características econômicas, data da transação, informações disponíveis e outros.
Novos métodos: o Método de Margem Líquida Transacional (TNMM) e os Métodos de Repartição de Lucros são incorporados às novas regras, possibilitando que os métodos não transacionais sejam utilizados no Brasil.
Método mais adequado: de acordo com as regras vigentes, os contribuintes possuem liberdade para escolher o método mais conveniente. No entanto, nos termos da nova legislação, o método obrigatório será aquele que melhor determinar os termos e condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em uma transação semelhante.
Ajustes de preços de transferência: as novas regras criaram modalidades de ajustes que podem ser realizados pelos contribuintes brasileiros. O ajuste previsto nas normas atuais passou a ser denominado ajuste espontâneo. Caso a empresa não efetue o ajuste espontaneamente, o órgão fiscal poderá fazê-lo, o que passou a ser chamado de ajuste primário. A MP 1.152/22 traz ainda o ajuste secundário que visa atualizar o valor do ajuste espontâneo ou primário. Para completar foi estabelecido o ajuste compensatório, destinado a adequar os preços aos padrões arm’s lenght nas próprias transações no decorrer do ano.
Disposições específicas: as novas regras também trouxeram as disposições específicas que demarca a sujeição às regras de preços de transferência das transações de: intangíveis, intangíveis de difícil valoração, serviços intragrupo, cost sharing, reestruturações empresariais e operações financeiras.
Penalidades: a MP 1.152/22 introduz penalidades específicas sobre preços de transferência, com valor mínimo de R$ 20 mil e máximo de R$ 5 milhões, conforme resumo abaixo:
1. A não apresentação tempestiva de uma declaração ou obrigação similar incorreria em multa de 0,2% da receita bruta ao mês;
2. A apresentação de informações imprecisas ou incompletas, ou a omissão de informações, acarretaria multa de 5% do valor da transação ou 0,2% da receita consolidada do grupo multinacional;
3. A apresentação de declaração em desacordo com os requisitos legais para apresentação de obrigação acessória incorreria em multa de 3% do faturamento bruto;
4. A não apresentação tempestiva de informações ou documentação durante uma auditoria estaria sujeita a uma penalidade de 5% do valor da transação.
Comentários acerca do período desde a última alteração relevante
Faz 11 anos desde a última alteração significativa nas legislações brasileiras sobre preços de transferência. Isso ocorreu quando a Lei 12.715 de 2012 incluiu as margens específicas por setor para o método PRL (40%, 30% ou 20%) e os métodos destinados às commodities (Pecex e PCI). O conjunto de regras brasileiras sobre preços de transferência são considerados únicos no cenário mundial, devido à sua distinção em relação às normas internacionais sobretudo no que se refere às margens fixas.
O Brasil tem estado envolvido em relacionamentos com a OCDE desde 1988, quando foi lançado um programa direcionado para o país. Durante este período foram realizados reuniões, estudos, acordos de cooperação, bem como regras internas. O Brasil então protocolou um pedido de adesão oficial à OCDE em 2017. De acordo com a OCDE, o Brasil é o país não membro que participa de mais instâncias da OCDE e que aderiu a mais instrumentos jurídicos.
Após o evento de apresentação do novo modelo de preços de transferência ao Brasil, em dezembro de 2022, foi editada a MP 1.152/2012.
O entendimento a respeito da Medida Provisória sobre o preço de transferência ainda exige um estudo mais aprofundado, uma vez que as orientações da OCDE, vigentes nos países de maior desenvolvimento são extensas, somando centenas de páginas.
Verônica Gomes
Especialista em gestão tributária e contabilidade no Briganti Advogados.