Eficácia da tutela reparadora produzida em ação antiexacional
Daniel de Paiva Gomes; Eduardo de Paiva Gomes
Em texto anterior, tratamos do ciclo de positivação do indébito tributário, cuja constituição se dá pela emissão, em ambiente administrativo ou judicial, da tutela reparadora [1]. Assim, uma vez emitida por autoridade competente, a tutela reparadora — ainda que no estado de pendência — passa a integrar o sistema jurídico e, portanto, é norma válida [2].
No entanto, embora passe a integrar o sistema jurídico a partir de sua emissão, a tutela reparadora ainda não possui aptidão para produzir efeitos, tampouco se verifica a efetiva produção de tais efeitos. A validade da tutela reparadora não é suficiente ao sujeito passivo para que proceda à recomposição patrimonial.
Somente no plano da eficácia é que uma norma alcança o seu objetivo social, que é verificado mediante o cumprimento da conduta prescrita na norma pelo respectivo destinatário. No contexto da tutela reparadora, a questão da eficácia é imprescindível para que o sujeito passivo possa atingir seu objetivo, qual seja, a recomposição patrimonial.
No presente artigo, trataremos justamente dessa específica questão que, embora pareça ter viés meramente teórico, mostra-se fundamental para equacionar os desafios verificados na pragmática: a eficácia da tutela reparadora decorrente de ação antiexacional.
Com efeito, consoante já analisado em artigo anterior [3], a definitividade é atributo imprescindível para que o sujeito passivo esteja autorizado a proceder à recuperação do indébito tributário.
No âmbito judicial, o sujeito passivo somente está autorizado a operacionalizar a efetiva recomposição patrimonial quando ocorre o trânsito em julgado da tutela reparadora, tendo em vista ser o átimo de instante em que tal tutela se reveste do predicado da definitividade.
Seria possível concluir, portanto, que o trânsito em julgado é o momento em que a tutela reparadora adquire vigência, uma vez que é o marco temporal em que se verifica a sua aptidão para produzir efeitos. Ou seja, já existem condições materiais para que o sujeito passivo, munido da tutela reparadora, dê início aos procedimentos para recomposição patrimonial.
A partir dessa constatação, surgiriam, então, os seguintes questionamentos: a tutela reparadora possui eficácia limitada no tempo? Em outras palavras: existe algum lapso temporal predeterminado para que a tutela reparadora irradie seus efeitos?
Os questionamentos devem ser respondidos à luz das especificidades inerentes aos instrumentos que se encontram à disposição do sujeito passivo para conferir efetividade à recomposição patrimonial assegurada pela tutela reparadora produzida no ambiente judicial: (1) expedição de precatório; e (2) compensação.
Nas hipóteses em que o sujeito passivo opta pela expedição de precatório para extinção do indébito tributário, tem-se a prévia delimitação do quantum a ser recuperado pelo sujeito passivo, de modo que a eficácia da tutela reparadora é verificada em “ato único”, já que o valor do indébito tributário é entregue ao sujeito passivo de maneira integral na mesma oportunidade.
Embora o Código Tributário Nacional estabeleça, apenas, o prazo para constituição do indébito tributário [4], parece aplicável a Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal, a qual, fundamentando-se numa espécie de “princípio da simetria”, estabelece que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”.
As respostas às questões também parecem encontrar fundamento no artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, que prevê: “As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.
Dessa forma, considerando que: (1) o ato/fato do qual se origina a dívida passiva do Fisco é a tutela reparadora definitiva; (2) a tutela reparadora judicial adquire vigência quando ocorre o trânsito em julgado (definitividade), seria possível concluir que a tutela reparadora possui prazo de vigência de cinco anos, contados da publicação do trânsito em julgado da decisão que constitui o indébito tributário.
Essa conclusão é reforçada pelo próprio instituto da prescrição, uma vez que não seria possível conceber a fluência de prazo prescricional em desfavor de sujeito que sequer possui meios para exercer sua pretensão.
Conclui-se, portanto, que no período de cinco anos de seu trânsito em julgado, a tutela reparadora está apta a produzir efeitos, cabendo ao sujeito passivo, nesse lapso temporal, promover o ato (cumprimento de sentença) que, ao final, resulta na extinção do indébito tributário, dotado de plena eficácia social (pagamento do precatório).
No contexto da compensação, entretanto, os questionamentos deste artigo encontram desafios que podem colocar à prova a conclusão acima.
Isso porque, nas situações em que o sujeito passivo opta pela compensação, o cumprimento da tutela reparadora, pelo Fisco, dá-se de maneira “fracionada” no tempo. E, além de fracionada, a integral produção de efeitos da tutela reparadora (extinção do indébito tributário) está condicionada à existência de débitos, em nome do sujeito passivo, em montante suficiente ao crédito a que este faz jus e que lhe foi assegurado pela tutela reparadora.
Portanto, seria possível se deparar com situações em que o sujeito passivo não compensou a integralidade de seus créditos no prazo de cinco anos, contados do trânsito em julgado, por não possuir débitos que façam frente ao indébito tributário. Teria, então, o sujeito passivo, “perdido” parte de seus créditos somente por estar inviabilizado de transmitir declarações de compensação?
A nível federal, esse parece ser o entendimento adotado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, conforme se depreende do artigo 106 da Instrução Normativa 2.055/2021, in verbis: “A declaração de compensação prevista no art. 102 poderá ser apresentada no prazo de até 5 (cinco) anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial”.
A controvérsia não existiria se, a nível infralegal, por hipótese, fosse possível “convolar” a compensação em restituição administrativa, nas específicas hipóteses em que o sujeito passivo não possui débitos a serem compensados.
A questão é ainda mais complexa quando se constata que, para se valer da compensação, o sujeito passivo está obrigado a desistir do cumprimento de sentença na esfera judicial. E, tendo desistido, é consectário lógico que não poderá “desistir da desistência” para retornar ao ambiente judicial e reaver o valor restante pela expedição de precatório.
Embora as condições da compensação sejam estabelecidas por lei, nos termos do artigo 170 do CTN, fato é que também o Fisco não pode enriquecer indevidamente por circunstância que não está ao alcance do sujeito passivo, qual seja, a existência de débitos em valor suficiente ao indébito tributário no período de cinco anos contados do trânsito em julgado da tutela reparadora.
Parece-nos acertada a conclusão que vem sendo adotada pelo Superior Tribunal de Justiça para equacionar a questão, no sentido de que o prazo de cinco anos é exigido para iniciar a compensação, mas não para esgotar por completo os créditos decorrentes do indébito tributário [5].
Em que pese não se fundamentar de maneira expressa nesse sentido, o posicionamento do Tribunal Superior parece reconhecer que a vigência da tutela reparadora está relacionada à prática do ato que dá início à extinção do indébito tributário. Uma vez praticado o “ato iniciador” no prazo de cinco anos, os efeitos da tutela reparadora podem ser protraídos, enquanto ocorrerem fatos que lhe sejam subsumíveis.
Esse entendimento permite adotar a mesma conclusão (da recuperabilidade via precatório) para as situações em que o indébito tributário é recuperado mediante compensação: no período de cinco anos de seu trânsito em julgado, a tutela reparadora está apta a produzir efeitos, cabendo ao sujeito passivo, nesse lapso temporal, promover o ato administrativo inaugural (transmissão da declaração de compensação) que, ao final, resulta na extinção do indébito tributário, dotado de plena eficácia social (homologação expressa ou tácita da declaração de compensação).
[1] https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/opiniao-exigibilidade-exaurida-tutela-jurisdicional-reparadora.
[2] No presente artigo, adotamos o conceito de que norma válida é aquela que possui relação de pertinencialidade ao sistema.
[3] https://www.conjur.com.br/2022-out-02/processo-tributario-liminar-mandado-seguranca-compensacao-art-170-ctn.
[4] Quantos aos prazos, confira-se: https://www.conjur.com.br/2021-ago-15/processo-tributario-prazo-exigir-restituicao-indebito-tributario.
[5] A título exemplificativo, confira-se: AgRg no REsp 1.469.926/PR, relator ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado e 7/4/15, DJe de 13/4/15.
Daniel de Paiva Gomes; Eduardo de Paiva Gomes
Daniel de Paiva Gomes é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, msc. candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia, especialista em Direito Tributário nacional (PUC) e internacional (IBDT), professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu, pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.
Eduardo de Paiva Gomes é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia, especialista em Direito Tributário nacional (PUC), conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora), juiz suplente do TIT, professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu, pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.