Quebra da coisa julgada e a chance para quem perdeu a “revisão da vida toda”

Rômulo Saraiva

Em um só julgamento, o Supremo Tribunal Federal conseguiu abalar ao mesmo tempo os conceitos de coisa julgada, de ação rescisória e de segurança jurídica. Se algumas decisões emanadas pelo Poder Judiciário já causavam desconfiança nos brasileiros, a nova solução jurídica trazida pelos ministros do STF vai gerar um tsunami de incertezas, inclusive na área previdenciária. Ao analisar os Recursos Extraordinários nº 955.227 (Tema 885) e 949.297 (Tema 881), com repercussão geral, que discutem os limites da coisa julgada (decisões definitivas) na área tributária, autorizando inclusive anular decisões antigas se estas divergirem da nova orientação da corte, os ministros criaram precedente para lá de perigoso. Não apenas na área tributária como em outras áreas do direito que se conectarem às características do julgado, sobretudo a “revisão da vida toda” pode se beneficiar deste caso.

A famosa frase do ex-ministro Pedro Malan, de que “no Brasil até o passado é incerto”, parece que ganhou a mais fidedigna representação com este emblemático caso enfrentado pela Suprema Corte.

Afinal, o Supremo autorizou que uma empresa, que no ano de 1992 obteve decisão judicial definitiva para deixar de recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), passe novamente a recolhê-lo, mesmo a coisa julgada completando mais de 30 anos. A maioria dos ministros opinou, portanto, pela quebra automática de decisões tributárias quando ocorrer mudança de entendimento da corte. Considerando que mudança de entendimento no judiciário é algo corriqueiro, o precedente analisado pelo STF pode chacoalhar a segurança jurídica de quem tem a proteção da coisa julgada.

Diria que essa notícia pode ser tanto para o bem como para o mal, pois, se a coisa julgada for positiva ao cidadão, e sobrevir mudança de entendimento negativo por parte do STF, a Fazenda Pública pode usar esse aspecto para cassar a coisa julgada. O contrário também é possível. O exemplo é a “revisão da vida toda”. Quem tem coisa julgada negativa sobre a revisão previdenciária, poderia invocar o julgamento positivo do Supremo (Tema 1.102) para quebrar a coisa julgada negativa.

A União, autora da ação, defendia a quebra automática da coisa julgada se a decisão anterior fosse de encontro com novo precedente do Supremo, a fim de possibilitar que todos os contribuintes sejam tratados de forma igual. Se uma empresa ganhar na justiça o direito de não pagar imposto, terá que voltar a pagá-lo se o Supremo entender que a cobrança é legal. Por tabela, esta hipótese autorizará que a Receita Federal cobre automaticamente impostos, sem ao menos ajuizar ação rescisória.

É louvável que os contribuintes tenham equivalência de tratamento, mas esta grandeza de valor não deveria se sobrepor a outros valores jurídicos importantes, quase sagrados, a exemplo da coisa julgada e da segurança jurídica. Lembrando que o fato de outros contribuintes terem submetido no passado ao Judiciário situações pretéritas, devidamente resolvidas (certas ou erradas) e apaziguadas no tempo, gera a coisa julgada que deveria ser respeitada pelo próprio STF.

Cabe lembrar que o ordenamento jurídico admite que a coisa julgada possa até ser questionada, e desfeita, desde que discutida pelo canal próprio e dentro do intervalo de dois anos. Ultimado este prazo, as decisões judiciais passam a integrar o conceito de segurança jurídica, espécie de cemitério onde repousam decisões antigas, incogitável de serem ressuscitadas processualmente.

Alheio a isso, a maioria dos ministros do STF entendeu pela relativização da coisa julgada por meio de dois processos analisados em conjunto. O primeiro deu azo ao Tema 881, que versa sobre os “limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado”.

O segundo é o Tema 885 que admite os “efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado”.

Não se pode dizer que faltou arrojo dos ministros ao votarem em maioria, para autorizar que milhares de decisões judiciais que estavam sepultadas há décadas fossem remexidas agora e serem sobrepostas por nova orientação do STF, independente se os casos tivessem transitado em julgado ou resolvido há décadas.

E assim o precedente tributário, ao se firmar, pode se alastrar como pólvora para outras áreas do direito, fazendo uma reviravolta nos conceitos de coisa julgada, segurança jurídica e ação rescisória.

Coisa julgada
Embora os ministros não tiveram cerimônia ao relativizar o conceito de coisa julgada, as decisões dos relatores, ministros Luís Roberto Barroso (Tema 885) e Edson Fachin (Tema 881), são convergentes no pensamento de autorizar a quebra automática de decisões passadas.

Barroso foi enfático ao dizer que “a coisa julgada não pode servir como salvo conduto inalterável a fim de ser oponível eternamente pelo jurisdicionado somente porque lhe é favorável”. Ele continua ao dizer que “alterado o contexto fático e jurídico, com o pronunciamento desta Corte em repercussão geral ou em controle concentrado, os efeitos das sentenças transitadas em julgado em relações de trato sucessivo devem a ele se adaptar”.

Já Fachin entendeu que a coisa julgada tributária só deve ficar válida se continuar inalteradas as situações de fato e de direitos que existiam no momento da prolação da sentença.

Ao analisar mais detidamente o precedente, verifica-se que a estruturação da fundamentação do acórdão se aproxima da exceção do inciso I do artigo 505 do CPC, na parte de que a modificação no estado de fato ou de direito autoriza revolver decisões do passado: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.

Como o direito tributário é de trato continuado, daí a comparação com o artigo 505. Só não se esperava que a modificação “no estado de fato ou direito” fosse desencadeada por mudança jurisprudencial. Por esse prisma, recursos extraordinários ns. 955.227 e 949.297, toda vez que o STF der decisão em repercussão geral pode se compreender como sendo uma modificação no estado de direito, justificando a revisão da coisa julgada a qualquer tempo, mesmo após o prazo de dois anos.

Ação rescisória
O precedente julgado pelo Supremo é também polêmico por praticamente inutilizar o manejo da ação rescisória para as demandas atingidas por nova interpretação jurisprudencial em tribunal superior.

Discussões que se agasalhem nos Temas 881 e 885 prescindirão de ação rescisória, pois a coisa julgada pode ser quebrada automaticamente. Dispensável, portanto, toda aquela impugnação observando as hipóteses do artigo 966 do Código de Processo Civil. Apesar de se reconhecer no meio jurídico sobre o quão difícil é obter sucesso numa ação rescisória, o esforço é proporcional à gravidade que é desfazer uma coisa julgada.

Agora, em situações análogas ao precedente do STF, não mais será necessário o esforço de argumentação para impugnar a coisa julgada. Automaticamente, milhares de casos têm potencial de serem atingidos de uma só vez, mesmo já transcorrido o prazo decadencial. Há também desnecessidade de gastos com este instrumento jurídico, seja para pagar a advogado ou as despesas processuais.

Trato sucessivo
Ao fazer a análise conjunta dos Temas 881 e 885, verificam-se os pontos de semelhança com outros ramos do direito, principalmente pela questão do trato sucessivo. Este é toda obrigação cuja prestação se protrai no tempo e se renova de forma sucessiva, com certa periocidade.

Não se tem dúvida de que o trato sucessivo está presente no direito tributário, pois os tributos são obrigações cujos fatos geradores se renovam periodicamente, de forma que se repete a necessidade do contribuinte em adimplir com suas obrigações ao longo dos anos.

Mas esta também é outra característica presente em outras áreas do direito, a exemplo das mensalidades dos planos de saúde, das vantagens salariais dos servidores, do consumo de energia elétrica e dos benefícios previdenciários.

Portanto, imagina-se que não demorará para que a decisão tributária sirva de inspiração para que interessados cobre no STF solução jurídica parecida, ainda que aplicando em outras áreas.

Repercussão no Direito Previdenciário
O elo que une a matéria tributária com a previdenciária é justamente o trato sucessivo, peculiar às duas áreas, e que pode ser o desencadeador para quebrar imediatamente a coisa julgada, que, por sua vez, dá feição à segurança jurídica.

Portanto, será uma questão de tempo que este precedente venha exercer influência em outros ramos e temas do direito, seja a discussão protagonizada pelo particular ou pela Fazenda Pública. Toda vez que o Supremo Tribunal Federal proferir novo julgamento, que venha a ir de encontro com a coisa julgada de outrora, poderá surgir motivo para discussões sepultadas no tempo serem retomadas. Bastaria que o STF proferisse novo julgamento, em controle concentrado, que declare a constitucionalidade de certo direito, na via do controle incidental e que este fosse de trato sucessivo, a ponto de atrair o pensamento de que nova jurisprudência é suficiente para modificar o estado de fato ou de direito de certo caso concreto.

Na área previdenciária, contudo, o problema é que o Supremo tem um histórico de decisões de repercussão geral mais favoráveis ao INSS do que ao segurado, a exemplo da desaposentação (Tema 503), do fator previdenciário dos professores (Tema 960) e do adicional de 25% nos casos de invalidez (Tema 982). Com exceção da revisão do teto e da “revisão da vida toda”, raramente o Supremo costuma ser generoso na área previdenciária. Agora o precedente tributário pode ser benéfico, por exemplo, para quem perdeu a “revisão da vida toda” quando ajuizou seu processo judicial.

“Revisão da vida toda”
Apesar de somente em 2022 o STF ter dado decisão que trouxe confiança na “revisão da vida toda”, esta é uma discussão que vem acontecendo há mais de dez anos.

Muita gente que estava esperando o pronunciamento da corte para somente depois disso ajuizar sua ação vai ter mais segurança de percorrer um caminho sem tanta turbulência.

Mas faz anos que milhares de aposentados já desbravaram esse mesmo caminho. E não tenha dúvidas que muitos sucumbiram durante. Até se formar consenso nacional sobre determinado assunto, sobretudo no STF, muito aposentado perdeu a “revisão da vida toda” nas instâncias inferiores do país em função da incipiência do tema e da divergência de entendimento de magistrados. Lembrando que a primeira medida de sobrestamento só ocorreu no Superior Tribunal de Justiça (Tema 999) em 2019. Antes disso, era muito difícil prolongar a discussão judicial por anos até que o processo percorresse o itinerário processual até ser sobrestado no STJ e/ou STF.

Para estes, que perderam a oportunidade de ter acesso à “revisão da vida toda”, com coisa julgada negativa, os Temas 881 e 885 do STF, mesmo sendo na matéria tributária, podem ser estruturadores de uma retomada de discussão para “rescindir” indiretamente as decisões que lhes foram negativas.

Mas não se pode esquecer que a “revisão da vida toda” é uma relação jurídica de trato continuado e que sobreveio modificação no estado de direito, já que foi o próprio STF quem estabilizou sua viabilidade por meio do Tema 1102.

Diferente da matéria tributária, pois o STF foi longe ao rescindir coisa julgada da década de 1990, no direito previdenciário há regra espinhosa que é bem observada pelo Judiciário em não admitir que aposentado revise aposentadoria se já transcorreu o prazo de dez anos. Talvez agora seja uma oportunidade de tentar fazer releitura, à luz dos Temas 881 e 885, sobre a limitação do exercício de ação da decadência prevista no artigo 103 da Lei nº 8.213/1991. Se uma decisão do STF pode, no caso em estudo, ser motivo de quebra automática de coisa julgada tributária, mesmo sem observar qualquer prazo decadencial, o mesmo poderia servir de raciocínio para relativizar a decadência previdenciária.

Ninguém imaginaria que seria dispensável uma ação rescisória ou que o guardião da Constituição fosse autorizar quebrar automaticamente a coisa julgada, abalando inclusive a segurança jurídica. Se estes institutos foram motivos de relativização, nada impede que — rompendo as barreiras da decadência — também se pudesse quebrar automaticamente a coisa julgada previdenciária em razão de mudança de entendimento superveniente do STF.

Enquanto isso não ocorre, já seria de grande serventia que o exercício da analogia com a matéria tributária pudesse englobar os casos perdidos da “revisão da vida toda”, ao menos aqueles que foram julgados negativamente com prazo inferior a dez anos.

Rômulo Saraiva

advogado, especialista em Previdência Social pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região (Esmatra VI) e pela Escola de Magistratura Federal no Rio Grande do Sul (Esmafe-RS) e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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