A guerra fiscal do ICMS envolvendo o IRPJ e a CSLL (parte 2)

Fabrizio Cândia dos Santos; Simone Anacleto

Princípio federativo em matéria fiscal: delimitação das competências tributárias e autonomia dos entes tributantes
Em primeiro lugar, é importante elucidar que a concessão de autonomia aos entes que compõem um estado federado parece ser a principal característica do princípio federativo [1].

Ocorre que a essa característica da autonomia liga-se, intrinsecamente, a repartição de competências, pela qual se afasta a possibilidade de interferência de algum dos entes da federação na autonomia de outros. Cada um só pode agir nos limites do que lhe é traçado como competência pela Constituição Federal [2].

Mais especificamente para o caso brasileiro e em matéria tributária, tem-se que a Constituição Federal traça de forma rígida as competências para instituição de tributos por cada um dos entes que integra a República Federativa do Brasil. Por outro lado, chega a ser intuitivo que quem detém a competência para instituir um tributo é que detém a competência para reduzir ou extinguir o mesmo tributo.

Não obstante, o acórdão proferido no EResp nº 1.517.492 baralha essas noções, ao afirmar que:

“…
VII – A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS – e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.
VIII – A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.
IX – A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação…”

Bem ao contrário, o que ofende o princípio federativo é entender que um benefício fiscal concedido por um estado-membro ou pelo Distrito Federal precisa ser sempre replicado pela União em relação a tributos de sua competência privativa [3].

Veja-se que o acórdão do STJ poderia ter seguido uma outra linha de raciocínio, mas, ao argumentar que a União precisa conceder os mesmos benefícios fiscais que tenham sido concedidos em nível estadual restritamente em relação ao ICMS é que acaba afrontando o princípio federativo que equivocadamente diz proteger, pois mistura as competências tributárias de entes políticos distintos.

Ora, o IRPJ, a teor do artigo 153, III, e a CSLL, de acordo com o artigo 195, I, “c”, ambos da Constituição Federal, inserem-se na competência tributária da União. Destarte, é apenas à União que compete decidir pela instituição ou aumento desses tributos e também só a ela compete decidir as hipóteses de concessão de benefícios fiscais a eles relativos.

Da maneira como julgou o STJ, estendendo benefícios fiscais concedidos por decisão de um estado membro ou do Distrito Federal para tributos federais, está claramente interferindo na autonomia e na competência traçada pela Carta Magna à União.

Além disso, outro aspecto que não foi levado devidamente em conta pela E. 1ª Seção do STJ é o de que o ICMS, possui um caráter nacional. Com efeito, a circulação de mercadorias e serviços atravessa os territórios estaduais, dando azo a um problema nacional: a regulação interestadual do ICMS [4].

Então, ao contrário do que ocorre com todos os outros tributos, há limites justamente à autonomia dos estados-membros e do Distrito Federal no que tange à sua esfera de competência para disciplinar o ICMS, que precisa respeitar todos os ditames do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, em especial, cabendo aqui destacar, o seu inciso XII, alínea “g”, consoante a qual cabe à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.

Esse é provavelmente o dispositivo mais desrespeitado de toda a história constitucional por parte dos entes estaduais, dando ensejo ao que se convencionou chamar de “guerra fiscal”.

Ocorre que a Lei Complementar nº 24/1975, que até o presente disciplina a forma como os estados-membros e o Distrito Federal podem conceder as referidas isenções, incentivos e benefícios fiscais, exige convênio aprovado pela unanimidade dos Estados-membros e do Distrito Federal no âmbito do CONFAZ.

Todavia, no afã de atrair novos empreendimentos para os seus próprios territórios, vários Estados e também o Distrito Federal já concederam e ainda concedem sponte propria, sem a prévia e necessária concordância dos demais entes federais, os mais variados benefícios fiscais às empresas que estejam dispostas a neles instalarem suas sedes.

Sempre que acionado, o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade dessa prática recorrente. Ainda assim, ela torna a ser praticada com uma regularidade que chega a ser assombrosa, ensejando a manutenção de diversas distorções, frequentemente em prejuízo das próprias empresas inicialmente beneficiadas, mas principalmente com prejuízo à economia da nação [5].

Ora, o julgado proferido no ERESP nº 1.517.492, ao não levar em conta essa peculiaridade, parecendo partir da premissa de que os estados e o Distrito Federal possuem uma ampla autonomia para a concessão de benesses fiscais, acabou por agravar esse quadro.

Princípio federativo em matéria fiscal: uniformidade da tributação federal no território nacional
A afronta ao princípio federativo nessa decisão, todavia, não se restringe ao aspecto antes abordado.

É que, na verdade, há alguns subprincípios em matéria tributária especificamente decorrentes do princípio federativo [6].

Um deles é o inserto no artigo 151, I, da Carta Constitucional:

“Art. 151. É vedado à União:
I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócioeconômico entre as diferentes regiões do País;” …

Como se vê por esse preceito constitucional, a tributação da União precisa ser uniforme em todo o território nacional, só se admitindo distinção ou preferência entre um Estado em relação a outro quando se tratar da “concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócioeconômico entre as diferentes regiões do País”.

Repita-se: ao estender automaticamente a desoneração decorrente da concessão de todo e qualquer crédito presumido de ICMS para a esfera federal, na tributação pelo IRPJ e pela CSLL, o STJ claramente impôs uma tributação federal em matéria de IRPJ e de CSLL desuniforme e, portanto, frontalmente contrária ao artigo 151, I, de nosso diploma maior.

A partir do critério definido pelo STJ, a tributação de IRPJ e de CSLL, em cada estado, para algumas empresas ou setores econômicos, será diferente da praticada em outros estados ou no Distrito Federal, a depender do montante dos benefícios ou incentivos fiscais concedidos no exercício de sua competência tributária para o ICMS!

Enfatize-se que só a própria União (aqui, entenda-se: o próprio Congresso Nacional ou então o presidente da República por meio de medidas provisórias) é que, face ao artigo 151, I, da CF, detém competência para estabelecer critérios distintivos na imposição do IRPJ e da CSLL quando se trata de considerar os desequilíbrios socioeconômicos entre as diferentes regiões do país. Isso é o que ocorre, p.ex, com os incentivos fiscais de IRPJ relativos à Sudene e à Sudam (confira-se, apenas a título exemplificativo, a redação do artigo 1º da Medida Provisória nº 2.199-14, de 24/8/2001, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.799/2019).

Não há, como, frente ao artigo 151, inciso I, da Constituição Federal, admitir-se que cada um dos estados possa impor automaticamente à União o reflexo de eventual benefício fiscal que cada estado, isoladamente, tenha concedido no âmbito do ICMS. Isso é que, bem ao contrário do que decidiu o STJ, afronta o princípio federativo [7].

Princípio federativo em matéria fiscal: vedação de isenções heterônomas
Ainda, a par do inciso I do artigo 151 da Carta Magna, tem-se que o critério erigido pelo E. STJ no bojo do ERESP nº 1.517.492, igualmente viola o inciso III desse mesmo artigo, cuja redação vale a pena recordar:

“Art. 151. É vedado à União: …
III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.”

Em que pese literalmente esse preceito constitucional pareça dirigido apenas à União, vedando-se expressamente a possibilidade de que ela conceda isenções de tributos da competência dos demais entes federativos, parece evidente que estes últimos tampouco podem conceder isenções de tributos federais. Afinal, como já se compreendia a partir do antigo brocardo latino, “ubi eadem ratio, ibi idem jus”. Com efeito, a mesma racionalidade impõe idêntica solução.

Por tudo que se expôs anteriormente acerca do significado do princípio federativo e da decorrente autonomia dos entes federativos, contraria completamente sua lógica admitir-se que uma das pessoas políticas possa intervir na esfera de competências de outra, o que ocorreria se se admitissem as chamadas isenções heterônomas.

Nesse sentido, confira-se a doutrina de Fabiana Tsuchiya:

“… as isenções heterônomas (…) são aquelas concedidas por pessoa diversa daquela que tem competência constitucional para instituir o tributo.
A atual ordem constitucional, em seu artigo 151, III, de forma diametralmente oposta à previsão da Carta de 1967 e Emenda Constitucional 01/1969, proíbe a isenção heterônoma, em respeito ao princípio federativo, concebido como cláusula pétrea (art. 1º, caput, e art. 60, § 4º, I, da CF/1988), que pressupõe a descentralização político-administrativa do Estado, com rígida repartição de competências e autonomia financeira dos entes.
O artigo dirige comando expresso à União. Por decorrência lógica, entende-se que o impedimento é voltado a todos os entes federativos e pessoas políticas, em observância ao princípio federativo e autonomia municipal. Dentro desse arranjo, portanto, a União não pode imiscuir-se em matéria reservada aos Estados, nem estes tratar de assuntos reservados à União ou aos Municípios, eis que cada ente tributante tem campo próprio de atuação e extrai essa competência diretamente da Constituição [8]…” (os grifos não constam do original)

Uma vez que, do entendimento do STJ aqui tantas vezes mencionado, decorre que a cada concessão de crédito presumido de ICMS deve ser excluído o seu valor também da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na prática, está-se admitindo uma espécie de isenção para tributos de competência da União por critérios de decisão única e exclusivamente dos Estados-membros ou do Distrito Federal, o que, inquestionavelmente, contraria o artigo 151, inciso III, da Constituição Federal.

Princípio federativo em matéria fiscal: repartição das receitas tributárias
Por fim, há pelo menos mais um aspecto em relação ao qual se pode identificar ofensa ao princípio federativo a partir da decisão adotada pelo EResp nº 1.517.492, pois, a teor do artigo 159, I, “a” e “b”, da Constituição Federal, parte da arrecadação do IRPJ é destinada, respectivamente, aos Fundos de Participação dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.

Ora, a repartição constitucional das receitas tributárias é mais uma das emanações do princípio federativo em matéria tributária [9].

É por essa repartição que a União colabora com o desenvolvimento de todas as unidades da federação, alcançando-lhes importantes recursos aptos a financiarem os serviços públicos e garantirem um mínimo de desenvolvimento socioeconômico aos mais distantes rincões do país.

Na medida em que se admita que benefícios fiscais decididos única e exclusivamente em âmbito estadual ou distrital possam diminuir a arrecadação total do IRPJ, está-se afetando o desenho federativo traçado pelo constituinte, pois, de forma indireta, estará se reduzindo o total de recursos que deveria ser partilhado entre todos os demais entes federativos por decisões isoladas de alguns deles.

Decisões isoladas que, como se salientou acima, muitas vezes, ao longo de nossa história constitucional foram adotadas em desrespeito aos limites traçados para o ICMS, em relação ao qual a regra deveria ser a concessão apenas após a unanimidade alcançada no âmbito do Confaz.

Essas atitudes alimentam a chamada guerra fiscal que tanto prejuízo, afinal, causa a toda a nação brasileira, seja aos próprios entes políticos, seja até mesmo aos consumidores [10].

Considerações finais
Por todo o exposto, verifica-se a gravidade das consequências decorrentes do entendimento consagrado no Eresp nº 1.517.492, que aprofunda o problema federativo associado à guerra fiscal, já que permite que os estados-membros e o Distrito Federal, sabedores de que as vantagens unilaterais que concedem não ficarão restritas ao ICMS, mas se estenderão também ao IRPJ e à CSLL, sejam incentivados ainda mais a persistir com a deletéria prática especialmente pela via da concessão de créditos presumidos de ICMS. Em última análise, trata-se da guerra fiscal de ICMS sendo alimentada com recursos federais!

Oxalá o Supremo Tribunal Federal venha a se pronunciar, em algum momento, sobre essa questão, suplantando o entendimento do Tema nº 957 da Repercussão Geral, que foi adotado em 18 de agosto de 2017, poucos meses, pois, antes do julgamento do ERESP nº 1.517.492, nos seguintes termos: “A controvérsia relativa à inclusão de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL não possui repercussão geral, tendo em vista sua natureza infraconstitucional”.

Ora, O EResp nº 1.517.492, indubitavelmente, enfrentou a matéria pelo prisma constitucional e, como se espera ter demonstrado, com diversas afrontas ao princípio federativo, impondo-se a sua superação.

[1] Os autores costumam assinalar a falta de simetria entre os próprios estados ditos federados: “A primeira percepção necessária para um melhor entendimento do significado de federalismo é a de que não há, para designar sua essência, um conceito estático, amarrado a determinadas coordenadas históricas. Isto porque cada Estado adota, em verdade, um modelo peculiar, pertinente às suas circunstâncias, que varia em face de vários elementos (…) Assim, não se pode definir um modelo único para designar o que seja uma Federação, mas sua ideia está vinculada à existência de uma aliança entre diferentes entes, que coexistem e mantêm a Unidade, o Estado Federal” (ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional. São Paulo, MP Editora, 2005, p. 18). “Não existe um ‘modelo’ de federalismo ideal, puro e abstrato, que englobe a variedade de organizações existentes nos Estados denominados federais. O que existe é uma série de soluções concretas, historicamente variadas, de organização do Estado, dentro de determinadas características comuns entendidas como necessárias a um regime federal” (BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do estado federal brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004, p. 9). “Pouca uniformidade existe na doutrina no que tange às características que um Estado deve ter para ser considerado uma Federação, distinguindo-o de um Estado dito unitário” (CONTI, José Maurício. Considerações sobre o federalismo fiscal brasileiro em uma perspectiva comparada. In: Federalismo fiscal: questões contemporâneas. CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury; BRAGA, Carlos Eduardo Faraco (org.). Florianópolis, Conceito Editorial, 2010, p. 17). Todavia, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Unânime é na doutrina ser a autonomia a característica por excelência do Estado-membro de um Estado Federal. Longa seria a lista dos mestres que expressamente subscrevem essa tese (…) 5. Dessa autonomia resulta como aspecto essencial a auto-organização do Estado-membro (…) Clarissimamente daí decorre a autodeterminação dos Estados-membros, não só para estabelecer as respectivas Constituições como também as leis que os devem reger. Também clarissimamente daí resulta essa autodeterminação tem limites: os que enuncia a Constituição do Estado Federal, o Brasil. Ou seja, gozam os Estados de autonomia, sendo o seu Poder Constituinte livre para fazer ou estabelecer o que não lhes vedou o direito supremo, o da Constituição brasileira. Tal Poder, na verdade, procede por derivação do Poder originário, que só é próprio da nação, de modo que é limitado, formal e materialmente, por este” (Apud: BATISTA, Luiz Rogério Sawaya. Op.cit, p. 85).

[2] “… justamente para proteger o sistema federativo brasileiro, o constituinte de 1988 se preocupou em fixar os contornos de atuação impositiva de cada entidade federativa, tratando-se a discriminação de competências impositivas de uma garantia do próprio sistema. Em verdade, o sistema federativo brasileiro, para manter-se harmônico, precisava conter uma divisão rígida de competências tributárias, sob pena de não se poder garantir a efetiva autonomia dos entes que o constituem. Esta foi a preocupação do constituinte de 1988…” (ELALI, André. Op.cit. p. 46).

[3] Em realidade, já existe uma lei federal prevendo a exclusão de créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, mas apenas para a hipótese em que fique caracterizado, por parte do Estado-membro ou do Distrito Federal, uma subvenção para investimento e, ainda assim, desde que observados os demais requisitos insculpidos no art. 30 da Lei nº 12.973/2014, recentemente alterado pela Lei Complementar nº 160/2017. Esse é o benefício fiscal que não ofende o princípio federativo, visto que fruto do exercício da competência própria da União. O exame desse dispositivo em maiores detalhes, todavia, refoge dos estritos limites do presente artigo.

[4] “Toda a dedicação do legislador constituinte no trato do ICMS revela não apenas que este Imposto foi concebido para se tornar o principal tributo dos Estados e do Distrito Federal, em detrimento do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (“ITCMD”) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (“IPVA”), bem como foi desenhado como um Imposto de caráter nacional (…) Corroborando a nossa afirmação, basta verificar que, de acordo com o inciso IV do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal, a resolução do Senado estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais e de exportação, sendo que o inciso V faculta ao Senado o estabelecimento de alíquotas mínimas nas operações internas e máximas nessas mesmas operações. Mas talvez o perfil de Imposto, demonstrado na configuração uniforme do ICMS em todo o território nacional, possa ser ilustrado pelo fato de o legislador constituinte, no inciso VII do parágrafo 2 do artigo 155 da Constituição Federal, ter se preocupado em estabelecer, inclusive, a alíquota do Imposto a ser adotada nas operações interestaduais, quando o destinatário for contribuinte do ICMS e quando o destinatário não revestir a condição de contribuinte (…) podemos concluir que o ICMS, principal tributo dos Estados e do Distrito Federal, sem dúvida nenhuma, é um Imposto de caráter nacional, marcado pela não cumulatividade, que pode ser seletivo, e que demanda regras de unidade, como a Lei Complementar, capazes de colocar em movimento as engrenagens de um sistema federalista…” (BATISTA, Luiz Rogério Sawaya. Créditos do ICMS na guerra fiscal. São Paulo, Quartier Latin, 2012, p. 29-31 – os grifos não constam do original)

[5] “Para se concluir sobre as vantagens/desvantagens da guerra fiscal para o Estado concedente há que se verificar o volume de recursos fiscais concedidos e o valor dos investimentos ao longo de vários anos, inclusive o número de empregos gerados e o custo implícito de se gerar tais empregos (…) O benefício fiscal unilateral não constitui o único elemento para a decisão de investimento por uma pessoa jurídica, sendo que a proximidade do mercado consumidor possui a mesma importância na decisão, seguida do custo da mão de obra e de outras vantagens locais específicas. A partir do momento em que os Estados e o Distrito Federal passam a competir em ‘igualdade’ de condições, ou seja, concedendo unilateralmente benefícios fiscais, esta prática ilegal produz distorções econômicas e políticas, fazendo com que todos os Estados e o Distrito Federal percam importantes receitas decorrentes do ICMS. A guerra fiscal gera profundas distorções na Federação, uma vez que Estados mais frágeis economicamente sequer possuem condições de disputar com outros Estados detentores de maior infraestrutura e com mercado consumidor mais desenvolvido a atração de empreendimentos…” (BATISTA, Luiz Rogério Sawaya. Op.cit. p. 222-3)

[6] Para Ricardo Pereira de Oliveira, são princípios federativos em matéria tributária: o da uniformidade geográfica (art. 151, I, da CF), o da isonomia tributária da renda dos títulos da dívida ativa (art. 151, II, da CF), o da proibição das isenções heterônomas (art. 151, III, da CF), o da não discriminação baseada em procedência ou destino (art. 152 da CF) (Princípios gerais do Direito Tributário – princípios federativos. Disponível em: https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/principios-direito-tributario-principios-federativos/ ) Já Leandro Paulsen aponta como “garantias da federação”: 1) Limitações específicas à União – uniformidade geográfica, vedação da tributação diferenciada da renda das obrigações das dívidas públicas e da remuneração dos servidores, vedação à isenção heterônoma; 2) Limitações aos estados e municípios para estabelecer diferença tributária em razão da procedência ou destino; 3) Vedação da afetação do produto de impostos (Curso de Direito Tributário completo. 6ª ed. rev. atual. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2014, p. 125-30).

[7] Além desse subprincípio decorrente do princípio federativo em matéria fiscal, podem ser lembrados, ainda, mais dois princípios constitucionais relacionados e específicos para o Imposto de Renda, que restaram igualmente vulnerados com a decisão adotada pelo STJ no julgamento do ERESP nº 1.517.492: são os princípios da generalidade e universalidade do Imposto de Renda, insculpidos no art. 153, § 2º, I, da Constituição Federal. É que a determinação de que a União replique, a cada crédito presumido concedido por estado ou pelo Distrito Federal, benefício em igual valor que deverá ser excluído da base de cálculo do IRPJ, sem dúvida alguma, ofende a generalidade e a universalidade que devem informar esse tributo.

[8] In: Constituição e Código Tributário comentados, sob a ótica da Fazenda Nacional. SEEFELDER, Cláudio e CAMPOS, Rogério (coord.). São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 287.

[9] “Não é apenas na competência tributária específica, outorgada a cada ente federativo, que reside a obtenção de recursos e a defesa constitucional da autonomia: a Constituição, no seu artigo 157 e seguintes, ordena – pois não se trata de ato voluntário – que parte das receitas de impostos (e da CIDE-Combustíveis) da União seja repartida entre Estados, Municípios e o Distrito Federal. Bem assim que parte das receitas de impostos dos Estados seja repartida entre os Municípios. A essas transferências obrigatórias a doutrina financeira denomina de Receitas Transferidas – as quais podem se dividir em Transferências Obrigatórias e Transferências Voluntárias… A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o pacto federativo no Brasil, em três esferas: União, Estados e Distrito Federal, e Municípios… E estabeleceu a autonomia financeira de duas formas (…):outorgando competência tributária própria, privativa e indelegável; e determinando a repartição de parte da receita da União com os Estados, Distrito Federal e Municípios, e a repartição de parte da receita dos Estados com os Municípios – formando aquilo que se convencionou chamar de federalismo cooperativo a promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes políticos…” (SCAFF, Fernando Facury; e SILVEIRA, Alexandre Coutinho da. Competência tributária, transferências obrigatórias e incentivos fiscais. In: Federalismo fiscal: questões contemporâneas. CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury; BRAGA, Carlos Eduardo Faraco (org.). Florianópolis, Conceito Editorial, 2010, p. 288-9).

[10] “Um dos efeitos mais graves da guerra fiscal, senão o mais grave, reside na oposição à livre concorrência, pois o benefício fiscal unilateral permite que determinada pessoa jurídica se beneficie justamente de um ato contrário à lei, colocando-a em condições desiguais de competição com outras pessoas jurídicas que pratiquem a mesma atividade, sendo tal desigualdade decorrente não de ganho de eficiência empresarial, mas sim do benefício fiscal unilateral, cujo ganho não é repartido entre os consumidores…” (o grifo não consta do original – BATISTA, Luiz Rogério Sawaya. Op.cit, p. 223). Esse mesmo autor, inclusive, menciona que o Pensamento Nacional das Bases Empresariais – PNBE ingressou com Consulta formal sob o nº 038/1999 perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), questionando se os atos praticados na denominada Guerra Fiscal podem ou não afetar a livre concorrência. O Cade, por sua vez, não só se considerou competente para responder a essa consulta, como na ementa do acórdão que decidiu a aludida consulta vaticinou:

(…)

2) Tais incentivos importam na redução do montante do imposto a pagar, resultando, dada a estrutura tributária brasileira, em aumento de lucro para as empresas beneficiadas de até centenas de pontos percentuais em comparação com aquelas não favorecidas, como demonstrado numericamente.

3) Incentivos concedidos no âmbito da “guerra fiscal” podem, portanto, alterar a dinâmica econômica e o nível de bem-estar da coletividade, ao gerar os seguintes efeitos: retira o estímulo ao aumento constante do nível geral de eficiência da economia, permitindo uso menos eficiente de recursos e afetando negativamente a capacidade de geração de riquezas do país; protege as empresas incentivadas da concorrência, mascarando seu desempenho, permitindo que mantenham práticas ineficientes e desestimulando melhorias na produção ou inovação; possibilita que empresas incentivadas, ainda que auferindo lucros, possam “predatoriamente” eliminar do mercado suas concorrentes não favorecidas, mesmo que estas sejam mais eficientes e inovadoras, em função da enorme vantagem de que dispõem; prejudica as demais empresas que, independentemente de sua capacidade, terão maiores dificuldades na luta pelo mercado, gerando com isso mais desincentivo ao investimento, a melhoria da eficiência e inovação; gera incerteza e insegurança para o planejamento e tomada de decisão empresarial, dado que qualquer cálculo feito pode ser drasticamente alterado – e qualquer inversão realizada pode ser drasticamente inviabilizada com a concessão de um novo incentivo; desestimula a realização de investimentos tanto novos quanto na expansão de atividade em andamento, gerando perda de eficiência alocativa na economia, com consequente redução de bem-estar.

4) Princípios constitucionais da livre concorrência e da promoção do bem-estar devem ser compatibilizados com outros princípios, como o da redução das desigualdades regionais, de forma que um deles possa ser relativizado em um caso concreto, para assegurar a realização de outro.

5) Incentivos fiscais e financeiro-fiscais podem ser concedidos, na forma prevista na Constituição Federal, pela União ou pela unanimidade dos Estados, o que, ao menos formalmente, assegura o balanceamento dos diferentes objetivos e princípios envolvidos… (os grifos não constam do original – BATISTA, Luiz Rogério Sawaya. Op.cit, p. 129-31)

Fabrizio Cândia dos Santos; Simone Anacleto

Fabrizio Cândia dos Santos é pós-graduado em Integração Econômica e Direito Internacional Fiscal pela FGV, mestre e doutor em sociedade, cultura e fronteiras pela Universidade do Oeste do Paraná (UniOeste) e procurador da Fazenda Nacional.

Simone Anacleto é pós-graduada em Direito da Economia e da Empresa pela FGV e em Direito e Economia pela UFRGS, mestre em Direito do Estado pela UFRGS e procuradora da Fazenda Nacional.

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