Projeto que regulamenta o trust é aprovado na Câmara dos Deputados
Por Raphael Di Cunto e Beatriz Olivon, Valor — Brasília
O Projeto de Lei (PL) nº 4.758, de 2020, que regulamenta o trust, foi aprovado tacitamente na Câmara dos Deputados. Agora, segue para o Senado. O texto não trata da tributação, mas poderá ser um primeiro passo para resolver essa questão, de acordo com especialistas.
O trust é um contrato privado, lastreado em confiança. O instituidor (chamado de settlor ou grantor) transfere a propriedade de parte ou da totalidade de seus bens a alguém (o trustee), que assume a obrigação de administrá-los em benefício do próprio instituidor ou de pessoas por ele indicadas — geralmente herdeiros.
Hoje não há regulamentação sobre trust no Brasil, mas esse tipo de contrato é comum no exterior e usado por algumas famílias para manter investimentos fora do país. Ele oferece algumas vantagens, como a possibilidade de só disponibilizar o dinheiro para os herdeiros perante algumas condições preestabelecidas — idade, metas educacionais, decisões empresariais, pagamento parcial, entre outras.
A intenção de quem constitui um trust geralmente é a de proteger o patrimônio — deixando a gestão com alguém especializado — e garantir que seja mantida a qualidade de vida dos herdeiros depois da morte do patriarca.
O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), deputado Eduardo Cury (PSDB-SP), já afirmou que a regulamentação do trust será importante para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao equiparar a legislação brasileira às dos países de primeiro mundo, e para evitar a saída de dinheiro para o exterior. Hoje, as famílias acabam criando os trusts fora do país.
O texto, de autoria do deputado Enrico Misasi (MDB-SP), cria o contrato de fidúcia (regime de administração de bens de terceiros), inspirado no trust. A proposta define o que é negócio fiduciário, quem pode ocupar os papéis de fiduciante e fiduciário, em favor de quem o trust pode ser instituído e estabelece todos os requisitos de validade, além dos deveres de cada parte.
Um dos pontos mais importantes, segundo especialistas, é a previsão, expressa, de que os patrimônios do fiduciante e do fiduciário não se misturam. O texto não trata, no entanto, das questões tributárias — uma das mais sensíveis para os brasileiros que têm trust no exterior.
O projeto foi aprovado em julho pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de forma conclusiva. O prazo de apresentação de recurso para que tivesse que passar pelo Plenário esgotou na terça-feira, sem que nenhum parlamentar tenha se manifestado. Com isso, a proposta foi declarada aprovada e tramitará agora pelo Senado.
Na outra casa, o projeto deverá passar por comissões, mas o andamento só será conhecido quando o texto realmente chegar no Senado. Se for conclusivo nas comissões, não precisará ir ao Plenário, como ocorreu na Câmara.