Marco Cripto recebe dez destaques, perde acordo e votação deve ficar para depois da eleição
Por Toni Sciarretta e Ricardo Bomfim, Valor — São Paulo
Com dez destaques de bancada apresentados para votação em separado, o projeto de lei que prevê a regulamentação dos negócios com criptoativos no Brasil perdeu o acordo informal que tinha entre as lideranças da Câmara dos Deputados e a votação em plenário só deve acontecer depois das eleições.
O deputado Expedito Netto (PSD-RO), relator da proposta na Câmara, apresentou no último dia 5 o seu parecer, rejeitando as principais modificações aprovadas em abril pelo Senado, entre elas aquela que obrigava empresas estrangeiras a fazerem registro imediato de CNPJ e a estarem conectadas ao Siscoaf para operar no Brasil. O texto também rejeitava os incisos do artigo 13º que estabeleciam a necessidade da segregação patrimonial das corretoras para não misturar patrimônio da empresa e do cliente no balanço e um dispositivo que incentivava a mineração verde. Os pontos foram deixados pelo deputado para manifestação do regulador, possivelmente o Banco Central.
O relatório foi bombardeado pela ABCripto (Associação Brasileira da Criptoeconomia) e pelos bancos. A associação argumentou em nota que a separação do patrimônio dos clientes dos ativos das empresas seria necessária para evitar “confusão, mistura ou imprecisão entre os legítimos detentores dos bens, direitos e obrigações” e que a obrigação do registro do CNPJ é “essencial para a segurança dos cidadãos e o bom ambiente de negócios para o empreendedores, ao definir os critérios da territorialidade e da responsabilidade local para a atuação de empresas e iniciativas cripto no território nacional”.
Por outro lado, as mudanças foram comemoradas por players do mercado como a exchange Bitso, fundada no México em 2014 e que tem expandido suas operações no Brasil. Karen Duque, líder de políticas públicas na Bitso, defende que a chamada regra de transição, como era chamada a exigência do CNPJ, ignorava a realidade da burocracia brasileira ao estabelecer necessidade de adequação assim que a lei entrasse em vigor. O prazo para se tirar o CNPJ no Brasil é de 90 a 120 dias, assim, não haveria tempo hábil para ficar em conformidade com a lei imediatamente. “Não é desobrigar as empresas de estarem em conformidade, estamos pedindo por tempo para as corretoras se enquadrarem. As internacionais ficariam em um limbo regulatório até obterem o CNPJ. Só pedimos tempo de adequação”, reforça.
Sobre a segregação, Karen diz que a exigência de separação não é um problema e que o artigo foi retirado apenas por fazer menção a um conceito impreciso de “lastro de criptomoeda”. “Não estamos em um momento de processo legislativo em que possamos adicionar qualquer coisa ao projeto. A segregação patrimonial é uma regra prudencial importante. Como havia ponderações conceituais, a correção foi feita por meio da remoção, mas este é um assunto devemos discutir no médio prazo.”
As alterações, apesar de oporem novamente os interesses dos bancos e das empresas cripto brasileiras e aqueles das estrangeiras, não são, segundo executivos do setor, a razão para a demora na votação. A responsabilidade por isso seria, em realidade, do próprio calendário legislativo.
Julien Dutra, diretor de assuntos regulatórios da holding 2TM/MB, comenta que apesar de o MB (maior corretora nacional de criptomoedas e grande defensora da isonomia de regras para exchanges nacionais e internacionais) não considerar que o texto atual é perfeito, está a favor de uma aprovação célere mantendo o parecer de Expedito Netto. “O mercado inteiro está a favor. Mesmo sem a segregação e a regra de transição, pelo menos o debate foi posto. O mais importante é termos a proteção necessária ao consumidor que a proposta garante”, alega.
Para Dutra, não há problema em deixar que esses temas como a exigência do CNPJ e a segregação patrimonial sejam deixados para regulamentação infralegal posterior por uma entidade como o Banco Central, desde que o marco regulatório saia o mais rápido possível.
O desafio, na visão dele, é que na semana passada as discussões da revisão da Lei Pelé dominaram o tempo na Câmara e que nos últimos dias foi a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que monopolizou o debate. Para a sessão desta terça-feira (12), o diretor do MB prevê que não haverá tempo ou disposição para votar nada além da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos benefícios sociais. Assim, os parlamentares teriam no máximo amanhã e quinta (14) para votar o PL das Criptomoedas e outros remanescentes, só que não é tão simples assim.
“Depois da LDO todo mundo pensa em recesso. O [presidente da Câmara, Arthur] Lira (PP-AL) deve querer esgotar itens remanescentes amanhã. Porém, não há como saber se haverá quórum para votar”, admite.
Mesmo com as alterações, se o projeto fosse aprovado na Câmara agora, poderia seguir direto para sanção do presidente Jair Bolsonaro, sem precisar passar novamente pelo Senado. Ou seja, a próxima votação no plenário da Câmara é a última etapa de tramitação no Legislativo.