STF prevê pauta fiscal bilionária em 2022
Por Joice Bacelo — Do Rio
Pelo menos dez processos tributários importantes para as empresas estão previstos para ir a julgamento nas sessões presenciais do Supremo Tribunal Federal (STF) na primeira metade de 2022. Quatro deles, que tratam de disputas travadas com a União, podem custar aos cofres públicos um total de R$ 43,5 bilhões – no pior cenário para o governo, se perder a ação e tiver que devolver o que recebeu nos últimos cinco anos.
Esse valor fica bem abaixo do que se viu em discussão este ano. A exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins, chamada de “tese do século”, sozinha, custou R$ 358 bilhões para a União, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Mas as discussões previstas para o primeiro semestre de 2022, segundo advogados, são bastante esperadas pelos empresários.
Uma dessas disputas envolve a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Os ministros decidirão se pode ser cobrada sobre valores enviados aos exterior para pagamento de royalties ou serviços técnicos. As empresas, hoje, pagam ao Fisco 10% do montante.
Esse julgamento interessa a qualquer empresa que adquire tecnologia no exterior: as pequenas, que compram software, e as grandes que adquirem licenças ou integram grupos econômicos internacionais. Se os ministros decidirem contra a cobrança, segundo consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o impacto para a União poderá chegar a R$ 19,6 bilhões (RE 928943).
Outros dois processos, que fazem volume nas contas públicas envolvem o agronegócio. Um deles, estimado em R$ 15,1 bilhões, discute a constitucionalidade da contribuição social devida pela agroindústria (RE 611601). O outro, com impacto de R$ 5,1 bilhões, envolve a contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que incide sobre a receita bruta do produtor (RE 816830).
Já no fim do semestre, há previsão de os ministros decidirem sobre uma questão que afeta os contribuintes em geral. Eles vão dizer se a Receita Federal pode aplicar a multa isolada de 50%.
Quando entende ter direito a um crédito contra a União, por pagamentos feitos a mais, o contribuinte pode usar esse crédito para quitar tributos correntes. A Receita tem prazo de cinco anos para validar a operação. Se entender que tal crédito não era devido, a compensação não é homologada. O débito pago com o crédito fica em aberto e sobre esse valor são aplicadas duas multas: a de mora (20%), por atraso no recolhimento do tributo devido, e a isolada.
Especialistas na área consideram como dupla punição. Dizem que a multa de mora já seria penalidade suficiente. A multa isolada sem se identificar uma conduta maliciosa do contribuinte, entendem, afronta os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e do não confisco.
São duas ações sobre o tema, com previsão de impacto de R$ 3,7 bilhões na arrecadação, segundo a LDO (ADI 4.905 e RE 796939). Para advogados, no entanto, esse valor pode estar subestimado – especialmente se levar em conta a quantidade de compensações em decorrência da “tese do século”.
No ano passado, os contribuintes usaram créditos fiscais para quitar R$ 63,6 bilhões de impostos – 174% a mais do que havia sido registrado em 2019. A Receita Federal atribuiu o forte crescimento à “tese do século”. Neste ano, a previsão de escalada é maior. As compensações tributárias feitas pelos contribuintes atingiram R$ 67,5 bilhões de janeiro a abril. Isso indica um avanço real de 40,37% sobre o mesmo período de 2020.
O STF concluiu a tese em maio. “Muitas empresas estão fazendo ou vão fazer e se as suas compensações não forem homologadas correm o risco de sofrer a multa de 50%. Esse julgamento é um dos que mais impactam as companhias”, diz Luis Augusto Gomes, sócio do Silva Gomes Advogados.
Sem impacto estimado na LDO, mas considerados os mais importantes do semestre, os chamados “processos da coisa julgada” também entraram na pauta do primeiro semestre. Os ministros definirão se há quebra automática de decisões transitadas em julgado (quando não cabe mais recurso), favoráveis aos contribuintes, quando há mudança de jurisprudência sobre tributos pagos de forma continuada.
O caso em pauta envolve a CSLL. Logo que foi instituída, no ano de 1988, muitos contribuintes foram à Justiça e obtiveram decisões definitivas contra a cobrança – que perduram até os dias de hoje. A Receita entende que essas decisões perderam a validade após o STF decidir pela constitucionalidade do tributo, em 2007, e exige os pagamentos desde então. Os contribuintes, por outro lado, defendem a necessidade de ação rescisória – uma via própria para tentar desconstituir decisões definitivas.
“O mínimo é respeitar a rescisória. Se não for assim, um auditor da Receita Federal terá o poder de desconstituir uma decisão judicial por meio de despacho”, afirma Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon.
O tributarista destaca que, durante a pandemia, uma grande quantidade de casos da área tributária foi concluída, com repercussão geral, no Plenário Virtual do STF. “A maioria teve reversão significativa de jurisprudência. Se a coisa julgada for flexibilizada, tudo isso vai ser afetado”, diz.
Como esses processos são os primeiros itens da pauta do dia 11 de maio, segundo especialistas, a expectativa é de que sejam analisados. Os processos da coisa julgada tinham julgamento previsto para o dia 15 de dezembro, mas não foram chamados.
O novo critério de desempate dos julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) também pode ser, finalmente, definido pelos ministros em 2022. Esse tema começou a ser julgado no Plenário Virtual e foi suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
A continuidade do julgamento virtual ocorrerá no presencial. É provável que o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, tenha optado por esse formato para não haver mudança de relator.
O ministro Marco Aurélio, que se aposentou no mês de junho – e foi substituído por André Mendonça – é o relator original desse tema e proferiu o voto. Antes de deixar a Corte, ele pediu a Fux para que os seus votos no Plenário Virtual não fossem desconsiderados caso algum ministro optasse pelo pedido de destaque.
Marco Aurélio se posicionou, nesse caso, pela inconstitucionalidade. Considerou que a matéria não poderia ter sido tratada em uma lei sem relação com o tema – prática chamada de “jabuti”.
O novo critério de desempate, que favorece o contribuinte, foi estabelecido em abril de 2020 (Lei nº 13.988). Pela antiga sistemática, o voto de minerva era do presidente da turma, posto ocupado por um representante do Fisco – o que favorecia a União.
O ministro Luís Roberto Barroso, que também proferiu voto no Plenário Virtual, entendeu a nova regra como constitucional. Porém, ele autorizou a Fazenda Nacional a recorrer à Justiça caso saia derrotada em decorrência dessa sistemática. Atualmente, a legislação não admite que o Fisco acione a Judiciário contra decisões de tribunal administrativo (ADIs 6399, 6403 e 6415).